O financiamento da transição energética no Brasil

País possui condições de ampliar o financiamento a projetos de geração renovável e à conversão de suas cadeias produtivas para uma economia verde.

O equilíbrio entre o homem e a natureza passou a ser alterado com a Revolução Industrial, que tem como marco a máquina a vapor de James Watt datada de fins do Século XVIII. Essa invenção abriu infinitas oportunidades de inovações tecnológicas, especialmente nos setores da indústria e dos transportes, assim como na sociedade como um todo, tendo o carvão como insumo energético predominante.

Com o advento da Segunda Revolução Industrial, contudo, o petróleo começa a ser utilizado nas novas tecnologias associadas aos motores à combustão. Esses dois insumos predominam até hoje na matriz energética mundial, juntamente com o gás natural pós-1970, sendo todos recursos energéticos não renováveis e emissores de gases de efeito estufa (GEE).

A crise do petróleo de 1973 impôs uma reestruturação do mercado mundial desta commodity, com sérios riscos à segurança energética e custos instáveis e elevados para os países importadores. Tais incertezas induziram o desenvolvimento de inovações tecnológicas, criando cadeias produtivas de gás natural, etanol, energia eólica e solar para garantir uma maior segurança energética. A partir dos anos de 1990, a questão do aquecimento global ganha relevância, reforçando a ainda mais a importância dos recursos renováveis.

Acordos internacionais, políticas públicas e programas econômicos se firmaram como instrumentos para a descarbonização das atividades de produção de bens e serviços, denominados por transição energética. Nesse contexto, a meta da ONU de neutralidade das emissões de CO2 até 2050 é, sem dúvida, o maior desafio econômico e social da história da humanidade.

As estratégias políticas para a transição energética podem ser definidas em razão de duas variáveis centrais: segurança energética e composição das matrizes energéticas e elétricas. No primeiro caso, busca-se a transição para recursos energéticos encontrados nos próprios territórios nacionais para diminuir a dependência de importação desses insumos. Já o segundo está relacionado à transição de recursos não renováveis (carvão, petróleo e gás) para renováveis (eólica, solar, hidroeletricidade, biomassa, etc). Em ambos, o Brasil detém uma vantagem comparativa singular pela grande capacidade de oferta interna de recursos renováveis.

Neste contexto geral, uma questão central se coloca: como dar sustentação financeira à transição energética no Brasil? Em razão dos imensos desafios nas cadeias produtivas, requer-se tanto a mobilização de recursos privados quanto públicos. Assim, os principais esquemas de financiamento para sustentar a transição energética são royalties de petróleo e bônus de assinatura, bancos de desenvolvimento e novos instrumentos financeiros de mercado.

Quanto ao primeiro, uma estratégia é financiar projetos de energia renovável a partir de recursos oriundos da “indústria energética velha”, em particular a indústria de petróleo e gás natural, dado que o Brasil tem um enorme potencial para a sua exploração em alto mar. Uma possibilidade seria a recriação de um Fundo Soberano (ou um fundo setorial) com uso de recursos provenientes de royalties relativos à produção mensal de petróleo e gás natural e bônus de assinatura de leilão realizado pela ANP, reservando parte desses recursos para o financiamento de programas voltados à transição energética. A título de exemplo, a estimativa do Painel Dinâmico
da ANP dos royalties de petróleo para 2023 é de R$ 54 bilhões e, se 5% fossem alocados no fundo, seriam R$ 2,7 bilhões.

Uma segunda alternativa é o uso de bancos de desenvolvimento para financiar programas de transição energética. O BNDES, o BNB e o Banco da Amazônia têm como funding, entre outros, fundos parafiscais (como o FAT para o BNDES) e fundos fiscais constitucionais administrados pelo Banco da Amazônia e pelo BNB, que permitem financiar atividades econômicas vinculadas à descarbonização com prazos mais longos e condições financeiras favoráveis.

Os bancos de desenvolvimento do país já financiam programas de sustentabilidade ambiental, incluindo energia renovável, como o FNE-Verde do BNB, o Energia Verde do Banco da Amazônia e o BNDES Finem – Meio Ambiente do BNDES. Porém, é possível ampliar ainda mais os programas voltados a projetos de transição energética, com subsídios cruzados.

A terceira opção é a utilização de instrumentos de mercado. Os “títulos verdes” – títulos de renda fixa emitidos por empresas, governos e instituições financeiras para projetos de sustentabilidade – são uma alternativa tanto para o setor privado quanto público. Para estimular a emissão desses títulos, é bem-vinda a iniciativa do Ministério da Fazenda de estabelecer uma taxonomia de finanças sustentáveis, com critérios e indicadores específicos que permitem avaliar se uma atividade contribui para a sustentabilidade ambiental.

O BNDES tem sido pioneiro na emissão de títulos verdes no país e, em 2020, emitiu R$ 1 bilhão em Letras Financeiras Verdes. Já o Tesouro Nacional obteve, em novembro de 2023, cerca de US$ 2 bilhões com títulos sustentáveis no mercado internacional, sendo um dos pilares do plano de transição ecológica do governo federal para financiar projetos de infraestrutura verde, bioeconomia e de adaptação à mudança do clima. Esse recurso, captado pelo Tesouro, deve ser aportado ao Fundo Clima, cuja concessão de crédito é gerida pelo BNDES, a taxas mais atrativas.

Adicionalmente, para inovação, o Congresso Nacional aprovou a destinação de parcela dos recursos do FAT (cerca de 1% deste) para financiamentos com custo financeiro definido pela Taxa Referencial (TR), hoje próximo de zero, mais spreads do BNDES. Estima-se recursos anuais de R$ 5 bilhões para projetos inovadores, com destaque para a agenda de transição energética.

Outro instrumento de mercado que poderia ser utilizado é o cadastramento de projetos de energia alternativa para emissão de créditos de carbono, permitindo o seu financiamento por meio do mercado de carbono, cuja regulamentação foi aprovada recentemente no Congresso Nacional, com a determinação da criação de uma governança pública para instituir um mercado oficial.

Em conclusão, o novo paradigma climático mundial impõe um enorme desafio à humanidade, que busca reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) à neutralidade nos próximos 25 anos. Para o Brasil, trata-se de uma oportunidade ímpar, uma vez que nossa matriz tem elevada participação de fontes renováveis e o país possui condições de ampliar o financiamento a projetos de geração renovável e
à conversão de suas cadeias produtivas para uma economia verde.

Nivalde de Castro e Luiz Fernando de Paula são professores do Instituto de Economia da UFRJ e coordenadores do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL) deste instituto.

Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-financiamento-da-transicao-energetica-no-brasil.ghtml

Está gostando? Compartilhe!

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Lages Advocacia
Agronegócio | Direito Ambiental e Urbanístico | Direito Digital e Business Strategy | Direito Imobiliário | Direito Minerário | Direito Tributário

Horário de Atendimento
Segunda-feira a Sexta-feira
8h00 – 12h00 e 14h00 – 18h00

contato@lagesadvocacia.com.br

Podemos ajudar?