Sem coordenação pelo governo, ao menos 10 projetos de lei discutem regras para fontes de energia alternativas e captura de carbono.
Contemplado com uma diretoria na Petrobras e uma secretaria no Ministério de Minas e Energia, o tema da transição energética ainda patina em termos de regulação e atratividade econômica. Há pelo menos dez projetos de lei em tramitação no Legislativo federal que visam a regulamentar o uso e a produção de hidrogênio, do biometano e da energia eólica offshore, assim como a exploração da atividade de armazenamento de dióxido de carbono (CO2) e seu posterior reaproveitamento.
“Na maioria dos setores das novas energias, da transição energética, você não tem hoje uma regulação pronta. Ainda está em discussão”, analisa o advogado Giovani Loss, que atua na área de transição energética do escritório Mattos Filho. “Alguns projetos [de lei] estão andando, e outros, não. Falta uma coordenação por parte do governo.”
Os temas relacionados à sustentabilidade, incluindo a transição energética, estão espalhados por 12 ministérios, segundo levantamento feito pelo Mattos Filho. No Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, por exemplo, há uma Secretaria de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria. Já a pasta da Fazenda abriga uma Subsecretaria de Financiamento ao Desenvolvimento Sustentável e outra de Política Agrícola e Negócios Agroambientais.
“O atraso na regulamentação […] certamente pode colocar o país em desvantagem”, opina Julia Marisa Sekula, uma das autoras do livro “Brasil: Paraíso restaurável”, que trata do potencial do país num cenário mundial de redução das emissões de carbono. A regulamentação não costuma acompanhar o ritmo de inovação, acrescenta Sekula, e este é um ponto especialmente crítico quando se trata do processo de transição energética, que abrange tecnologia sofisticadas. “Não é só o ponto de regulamentar, mas regulamentar bem. E com capacidade, entendimento. E nesse ponto, quando falamos sobre essas tecnologias, o Brasil não está na mesa”, afirma ela.
No país, a exploração do biometano – por exemplo – foi regulamentada em nível federal por um decreto de 2021. No entanto, a regulação nos Estados do Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo e São Paulo se encontra em diferentes estágios. Biometano é um biocombustível gasoso derivado da purificação do biogás, produzido a partir da decomposição de materiais orgânicos.
Dois projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional tratam da criação de uma política federal para o biogás e o biometano (2.193/ 2020) e de um programa de incentivo à produção e ao aproveitamento desses biocombustíveis (3.865/2021).
A geração de energia eólica offshore começou a ser regulamentada por meio do Decreto nº 10.946, publicado em janeiro do ano passada. “A partir do decreto, vêm sendo publicadas portarias que complementam e detalham a regulamentação. Isso ainda está em andamento”, explica Karys Prado, analista sênior da consultoria Wood Mackenzie para o mercado de energia eólica na América Latina. “Em paralelo, temos a tramitação no Congresso Nacional do PL [projeto de lei] 576”, acrescenta a especialista. Além desse, outros dois projetos de lei sobre o tema foram apresentados.
No caso da produção e uso do hidrogênio e também no da captura, utilização e armazenamento de carbono (CCUS, na sigla em inglês) ainda não há legislação em vigor. Pelo menos quatro projetos de lei foram apresentados para tratar de aspectos relacionados ao hidrogênio e um aborda a CCUS.
“De maneira geral, nesses quatro segmentos [biometano, eólica offshore, hidrogênio e CCUS] existem indefinições que são barreira para entrada no mercado”, sustenta Rafael Kelman, diretor-executivo da consultoria PSR, especializada na área de energia.
pesar de destacar a importância da regulamentação, o diretor-executivo da PSR destaca que muitos dos mercados abertos pelo processo de transição energética ainda não são suficientemente atraentes do ponto de vista de retorno financeiro. “Não precisamos ter pressa de fazer isso [regulamentação] enquanto o custo-benefício não for favorável [em segmentos como eólica offshore e hidrogênio]. Fizemos isso com a eólica [onshore], com a solar”, exemplifica Kelman.
No caso do mercado de biometano já existe uma lógica econômica que justifique investimentos, especialmente no setor sucroalcooleiro, destaca Kelman. O biocombustível pode substituir o diesel utilizado em colheitadeiras e caminhões.
A captura de carbono, por sua vez, precisa ser regulamentado não só no Brasil, argumenta Kelman. “Todo mundo está discutindo a regulamentação da captura de carbono no subsolo. […] Falta regulamentação”, resume.
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/08/04/transicao-energetica-esbarra-na-falta-de-regulamentacao.ghtml