Para Marília Rabassa, futuro do hidrogênio verde nacional pode ficar sob risco por
conta da alta dependência de importações dos principais equipamentos, como dos
eletrolisadores.
Se o governo federal não acelerar o processo que batizou de “neoindustrialização”, o Brasil pode ter
dificuldades no médio e longo prazo para aproveitar as oportunidades potenciais das tecnologias de
transição energética, a começar pela do hidrogênio verde, mas também para outras demandas
importantes no contexto da descarbonização, caso das baterias.
A opinião é da diretora da consultoria CELA, Marília Rabassa. Segundo ela, a alta dependência do país
ao mercado externo para as principais tecnologias, sobretudo eletrolisadores para produção de
hidrogênio verde e os sistemas de armazenamento de energia (BESS, na sigla em inglês), é um risco
potencial que já foi demonstrado nos últimos anos em outras demandas.
“A importação de insumos é um problema quando passamos por alguma perturbação global, como
foi o caso da Guerra da Ucrânia, que trouxe grande complexidade para a logística. No mercado solar,
por exemplo, muita empresa teve dificuldades para seus componentes e módulos chegarem no país”,
disse.
Segundo dados apresentados por Rabassa, a cadeia de fornecedores de eletrolisadores, principal
tecnologia geradora de hidrogênio verde, está hoje 35% concentrada da China, 28% na Europa, 15% na
América do Norte e os restantes 21% no resto do mundo.
O Brasil, apesar do recente anúncio de fábrica de geradores de H2V pela Hytron, não deve ter
capacidade interna suficiente para atender a prevista demanda, alerta a diretora.
E a previsão, pelo planejamento dos fornecedores globais da solução, é o cenário de 2030 continuar o
mesmo, com pouca alteração, com apenas a China descentralizando levemente a produção dos
eletrolisadores, para 28%, em detrimento ao aumento da capacidade na Europa, América do Norte e
em novos países com planos mais ousados, caso da Índia.
Em sistemas de armazenamento de energia (BESS), a dependência atualmente é muito concentrada
na China – assim como em várias outras tecnologias, por exemplos módulos solares, que o Brasil
importa praticamente 99% da sua demanda. De acordo com os dados mostrados pela diretora da
CELA, 70% das células para baterias são produzidas na China.
Nas etapas de produção química do BESS, há casos em que a China responde por até 100% do
mercado, caso do grafite esférico, ou 95%, no magnésio; em 75% no refino do cobalto; 69% do grafite
sintético; e, apenas no lítio químico, registra participação “menor”, mesmo assim de 44%, ainda com
liderança global.
Criação da cadeia
Para Rabassa, esses cenários são mais do que motivos para o país procurar incentivar a cadeia de
valor do hidrogênio verde, muito complexa e que seria bastante benéfica para a batizada
“neoindustrialização”.
Na sua análise, para estimular a industrialização boas soluções seriam a partir de produtos com
potencial de verticalização. A primeira opção seria pela cadeia de fertilizantes nitrogenados, situação
inclusive que a CELA tem participado, por meio de assessoria a projetos anunciados pela Atlas Agro.
Nesse caso, ao se passar a produzir os fertilizantes nitrogenados no país, que hoje importa 96% do
seu consumo, haveria a demanda por equipamentos locais para produzir o H2V, de outros para
transformá-lo em amônia e daí para usá-lo como intermediário do fertilizante, criando a cadeia
produtiva e a nova indústria.
“Com isso, haveria um produto e uma nova indústria, que ainda não tem no Brasil, que por sinal
consome 35 milhões de t/ano de amônia para outros fins (80% importado e de origem fóssil)”, disse.
A projeção desse mercado seria de 1,6 milhão de t de H2V para fertilizantes no Brasil em 2040,
produzidos por 25,9 GW em eletrolisadores instalados.
A segunda oportunidade é desenvolver os combustíveis sustentáveis no Brasil, principalmente o SAF
(bioquerosene de aviação), que também pode partir da cadeia do H2V.
A terceira seria produzir aço verde, já que o Brasil hoje é exportador de minério de ferro e poderia
agregar muito valor a essa cadeia, atendendo a prevista alta demanda global pela alternativa de
reduzir as altas emissões da indústria do aço (5% a 7% de todas as emissões do Planeta).
Por fim, há a alternativa de construir uma cadeia de exportação do H2V e da amônia, o que por
exemplo está sendo arquitetado do Porto do Pecém, no Ceará. A previsão é que em 2040 o Brasil
tenha capacidade para produzir 3,8 milhões de t de H2V para exportação, o que demandaria 61 GW
em capacidade instalada de eletrolisadores.
Por Energia Hoje.
https://energiahoje.editorabrasilenergia.com.br/transicao-energetica-demanda-industrializacao-do-pais-diz-cela/