Subsídios à geração distribuída dividem o mercado de energia

Emenda inserida no texto do PL do “Combustível do Futuro não foi aprovada, mas deixou evidente a discordância entre os diferentes agentes desse mercado.

A aprovação do projeto de lei 528/2020, denominado como o do “Combustível do Futuro”, estabeleceu uma linha divisória entre os agentes que atuam na chamada geração distribuída, especialmente o setor solar e a maior parte dos segmentos que integram o mercado de energia no quesito concessão de subsídios. O PL seguirá para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O projeto de lei foi aprovado na quarta-feira (11) na Câmara dos Deputados, em votação simbólica, após ter passado pelo Senado Federal, na véspera.

Foi excluído, porém, um “jabuti” inserido no texto do PL que previa ampliar descontos à micro e minigeração distribuída pelo uso do fio (transmissão ou distribuição) independentemente da fonte, garantindo o direito a centrais que entrassem em operação em até 30 meses — e não mais 12 meses, como previsto na regra vigente, a Lei 14.300/2021.

O desconto no uso do fio seria vigente até 2045, mas o número de empreendimentos que contariam com o benefício aumentaria caso o PL fosse aprovado com o “jabuti”. Apesar de não ter passado, a divisão ficou clara no setor elétrico.

Até a votação final do PL do Combustível do Futuro, associações ligadas à fonte solar, majoritária na micro e minigeração distribuída, ficaram à frente da defesa da emenda, conhecida por “jabuti” por não ter relação com o tema central do PL. No lado oposto, diversas associações do setor elétrico se colocaram contra a medida.

A Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), que respondeu em nota ao ser contatada pelo Valor, disse que recentemente a Medida Provisória 1.212/2024 prorrogou por 36 meses o início da operação comercial de empreendimentos de grande porte, com capacidade acima de 5 megawatts (MW), mantendo o desconto nas tarifas de uso dos sistemas de transmissão (Tust) e distribuição (Tusd), por causa das dificuldades enfrentadas na implantação dos projetos, especialmente, as restrições para escoamento da eletricidade na rede

“Condição análoga vem sendo sofrida pelos empreendimentos de GD [geração distribuída], que enfrentam diversos problemas no processo de conexão. Assim, da mesma forma como ocorreu para os empreendimentos de geração de grande porte, a emenda buscava apenas estender o prazo para conexão, isso é, uma prorrogação de 18 meses em relação ao prazo de 12 meses inicialmente previsto”, explicou a ABGD à reportagem.

“A matéria tinha apoio por parte dos líderes dos grandes partidos da casa e teria passado se colocada à votação”, acrescentou.

Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontavam que até a quinta-feira (12) quase todos os municípios do país apresentavam pelo menos uma central de GD instalada. São 4,13 milhões de unidades consumidoras que contam com créditos gerados nas quase 2,9 milhões de centrais instaladas no país, que totalizam uma potência de 32,36 gigawatts (GW).

Desse total, 32,09 GW de 2,88 milhões de sistemas instalados são da fonte solar, de acordo com a Aneel. Isso dá à fonte solar cerca de 99% de participação em toda a base instalada no país.

Cálculos da agência reguladora indicavam que o “jabuti” teria potencial de aumentar as tarifas de energia em R$ 24 bilhões entre este ano e 2025 com a extensão do benefício.

Carta contra o “jabuti”

Dez entidades do setor elétrico assinaram uma carta na qual se manifestaram “surpreendidas” com a emenda parlamentar, afirmando que os subsídios à geração distribuída ocupam a segunda posição na lista de benefícios pagos na conta de luz e que a modalidade beneficia mais de quatro milhões de consumidores, “principalmente grandes grupos empresariais e consumidores residenciais de alta
renda”.

O presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Carlos Faria, avalia que embora a grande maioria dos parlamentares reconheça o custo excessivo da energia no país, vários deles seguem “advogando” para aumentá-lo ainda mais.

“Nossa expectativa é que o engajamento contra esse jabuti da GD continue se fortalecendo no combate a outras tentativas do tipo, uma vez que, no ritmo em que estamos, o custo da energia vai ficar impagável”, disse Faria, em comunicado.

Além da Anace, assinaram a carta: Abradee (associação de distribuidores), ABCE (companhias de energia), Abrace (grandes consumidores), Abraceel (comercializadores), União pela Energia (frente que reúne mais de 70 entidades da indústria), Abeeólica (energia eólica), Abrage (geradores) e Apine (produtores independentes).

Para a Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), que respondeu em nota ao Valor, qualquer mudança legislativa, como a proposta pelo PL do Combustível do Futuro, precisa considerar os benefícios sistêmicos que a GD proporciona e garantir que o setor seja “adequadamente integrado” às políticas de transição.

“A exclusão da GD não favorece um debate construtivo e amplia um distanciamento que só prejudica o avanço de uma agenda de desenvolvimento sustentável”, disse a entidade.

A ABGD disse que é necessário reafirmar o compromisso da geração distribuída como pilar fundamental para uma matriz energética mais limpa, eficiente e inclusiva. Salientou também que a modalidade não deve ser vista como um segmento que busca privilégios mas como ferramenta estratégica para descarbonizar a economia e aumentar a resiliência do sistema elétrico.

“Os incentivos à GD são investimentos para o futuro, que beneficiarão toda a sociedade ao reduzir custos de transmissão e perdas elétricas, além de aumentar a segurança energética. A transição energética brasileira depende de um mix de soluções, e a GD ocupa uma posição estratégica nesse cenário”, afirmou.

E prosseguiu: “Neste momento crucial, a ABGD reforça que a geração distribuída deve ser vista como parte da solução, não como uma questão conflitante”. A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) disse à reportagem que não comentaria o tema.

Subsídios foram regulamentados em 2022
A geração distribuída (GD) já contava com subsídios, mas a concessão foi limitada com a aprovação da Lei 14.300/2022. Microgeração distribuída envolve a instalação de sistemas com potência de até 75 quilowatts-pico (kWp). Estão nesse rol painéis solares em telhados ou em terrenos próprios dos consumidores.

A minigeração distribuída envolve centrais com potência entre 75 kWp e 5 megawatts-pico (MWp). Grande parte dessa modalidade é composta por centrais localizadas na mesma área de concessão, mas longe do consumidor, a chamada “GD remota”.

São exemplos de “GD remota” os serviços de assinatura de energia solar, que oferecem contratação a quem não pode instalar painéis solares em telhados, como proprietários de apartamentos.

No caso dos painéis de telhado, o benefício da GD para os consumidores é o desconto total na tarifa de energia e a isenção total nas tarifas de distribuição (ou transmissão, se for o caso) para sistemas instalados até 6 de janeiro de 2023.

Após aquela data novas conexões passam a pagar pelo uso do fio, de forma progressiva — o que ainda proporciona economia para o bolso do consumidor, mas em menor magnitude.

A cobrança começa a ser de 15% em 2023 sobre o custo referente ao serviço do fio da distribuidora, aumentando gradativamente até 2029, quando o consumidor pagará 100% do valor do fio. As distribuidoras são remuneradas, neste caso, por meio de um encargo chamado Conta de desenvolvimento Energético (CDE).

Os consumidores também são beneficiados com créditos caso injetem eletricidade na rede: quando a geração da central excede o consumo de energia no imóvel, o cliente pode contar com créditos para uso nos meses seguintes, até o limite de 60 meses.

Incentivos no passado
A geração distribuída contou com os subsídios por muitos anos dado o reconhecimento, no passado, de que a modalidade poderia reduzir os custos de expansão da oferta sem precisar construir grandes empreendimentos localizados em regiões remotas do país, além de implantar longas linhas de transmissão.

No caso do setor solar, o subsídio era também visto como necessário porque o investimento em uma central era cara e o retorno demandava muitos anos. Porém, os sistemas de micro e mini GD foram ficando mais baratos ao longo do tempo, o que tornou desnecessária a concessão dos subsídios, na visão de especialistas e da própria Aneel.

A questão começou a ser tratada em 2018 quando a agência abriu uma consulta pública para definir como seria a regulamentação da GD. A agência recebeu documentos com sugestões para quatro cenários de concessão de subsídios, mas a resistência de parte do setor à mudança a levou a buscar o Congresso para elaborar um marco regulatório para a modalidade, resultando na Lei 14.300/2022.

Durante as discussões, surgiu um movimento contra a “taxação do sol”, criando uma narrativa de que se queria criar um imposto pelo uso da geração solar.

Por outro lado, a crescente demanda pela descarbonização leva o país ao maior uso de fontes renováveis. Assim, a concessão de benefícios para a GD, especialmente a solar, visa a subverter uma lógica de incentivo que existe para certos combustíveis, como o óleo diesel, usado em geração em sistemas isolados, segundo defensores dos subsídios.

Outro aspecto usado pelos partidários do benefício é a segurança energética, pois a fonte pode contribuir para evitar crises hídricas, como a de 2021 — que pode se repetir a partir deste ano caso as chuvas não cheguem com o início do período úmido, em novembro.

Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/09/16/subsidios-a-geracao-distribuida-dividem-o-mercado-de-energia.ghtml

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