Reforma do setor elétrico

Houve forte expansão do mercado livre, enquanto o mercado regulado diminuiu para cerca de 60% do mercado global.

Oportunamente, o Ministério de Minas e Energia (MME) se propôs a apresentar, em 90 dias, um projeto de reforma do setor elétrico, o qual enfrenta múltiplos problemas. Mas, apesar da sua urgência, o exíguo prazo previsto sugere que se subestimou a dificuldade dessa tarefa. Reorganizar o setor elétrico envolve, pelo menos, três complexas e abrangentes questões, que deverão ser tratadas detalhadamente, conforme o quadro atual exige: quais são seus condicionantes e desafios, qual deverá ser sua melhor configuração e quais passos e procedimentos permitirão alcançá-la.

O setor elétrico brasileiro conta, e poderá contar, com um parque gerador predominantemente baseado em fontes renováveis. Sua localização e as variações sazonais, diárias e horárias de sua disponibilidade diferem daquelas dos seus principais mercados, o que exige extenso sistema de transmissão de energia. Por outro lado, o setor apresenta distorções na alocação de seus custos, decorrentes de subsídios que também afetam prioridades de investimento e, no momento, contribuem para que haja significativa sobra de oferta, concentração de capacidade geradora distante do maior mercado do país e significativa intermitência de geração não despachável.

Considera-se que o futuro setor deverá ser ambientalmente sustentável e oferecer a seus usuários segurança de suprimento e acessibilidade, além de equidade, ou seja, que cada consumidor seja cobrado conforme os custos incorridos para atendê-lo.

A contínua e necessária expansão do aproveitamento de fontes renováveis, notadamente as intermitentes, exigirá a presença de novos agentes e regulamentos, particularmente para as instalações de armazenamento, além de novos sistemas e critérios
operacionais.

A transição para um novo modelo poderá enfrentar dificuldades de natureza estrutural, bem como entraves interpostos por interesses contrariados por novas regras. Fatos recentes destacam a importância de delimitar claramente o papel dos diversos agentes que interagem na orientação e gestão desse setor. Embora seja aparentemente consensual que caiba ao governo formular políticas e iniciativas que o Congresso avalia e traduz em forma legal, cuja regulamentação cabe à Aneel, legisladores e agentes governamentais têm interferido na aplicação de regras e critérios definidos por este regulador, mesmo quando aprovados em consulta pública.

A evolução recente do setor pode indicar algumas premissas e requisitos que poderão ser considerados no seu redesenho, tais como:

  • O mercado livre alcançará a totalidade dos consumidores, talvez com exceção dos consumidores residenciais de baixa renda. Consequentemente, haverá redistribuição dos encargos atualmente arcados somente pelos consumidores do ambiente de contratação regulada. Será o caso das “bandeiras tarifárias”, e da energia de Itaipu, que terá de competir com a dos demais
    geradores.
  • Subsídios, tais como os que transferem custos de transmissão e distribuição para o mercado regulado e levam a desconsiderar custos sistêmicos e locacionais, deverão ser eliminados. Aqueles destinados ao desenvolvimento tecnológico, mesmo de caráter temporário, não deverão ser arcados pelos consumidores. Custos da prestação dos crescentes serviços ancilares, como prover reserva girante e armazenamento, deverão ser remunerados, inclusive, pelos agentes que os causaram.
  • A interdependência dos agentes do setor, predominantemente privados, e sua interação com a economia, justificarão que um órgão governamental lhes indique as prioridades para sua atuação, em vista dos recursos disponíveis, dos compromissos do país e do melhor desempenho do setor. Essa entidade, com apoio de outros órgãos federais, notadamente ONS e Aneel, deverá evitar que ocorram sobras ou déficits de oferta significativos. A antiga Comissão Nacional de Energia exerceu papel semelhante, que poderá ser assumido por uma nova versão do Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, com apoio da
    EPE.

Um dos possíveis aspectos de novo modelo que, conforme observado, será a abertura geral do mercado, apresenta pelo menos duas questões: os contratos legados, ou seja, contratos de suprimento firmados pelas distribuidoras com geradores, ainda em vigor, e que agentes oferecerão garantias de prazo compatível com os prazos de financiamento necessários para viabilizar novos investimentos, particularmente em geração. Conforme a Lei 10.848/2004, esse papel cabia às distribuidoras, enquanto também comercializadoras, o que deixaria de existir. Trata-se aí de definir qual será o provedor de última instância, o que novamente remete à governança do setor.

A situação superavitária dos contratos legados, firmados pelas distribuidoras com geradores, ficou mais evidente nos últimos anos, com a forte expansão do mercado livre, enquanto o mercado regulado diminuiu para cerca de 60% do mercado global. Mesmo que a passagem de alguns grandes consumidores para o mercado livre tenha sido prevista, o crescimento de nova oferta,
eólica e solar, muito competitiva, acelerou essa migração. O mercado regulado também perdeu expressão devido à forte expansão da geração distribuída e ao baixo crescimento da economia, o que impediu a absorção de sobras.

Concluindo, a iniciativa de reestruturar o setor elétrico num momento de excepcionais alterações institucionais, com reflexos contratuais e comerciais, além de crescentes modificações em seu quadro energético e de inserção regional, com destaque para a Itaipu Binacional, e contando com tantas novas ferramentas tecnológicas, enseja a oportunidade de melhor atender seu mercado, inclusive incorporando segmentos da população ainda não atendidos.

Procedimentos sustentáveis, entre eles a eficiência energética, proporcionarão serviço seguro e acessível, necessário à transição energética. A ampla discussão da proposta resultante dessa iniciativa do MME, concebida com visão global e decisivo tratamento dos desafios inerentes, muito contribuirá para o sucesso de sua implementação.

Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/reforma-do-setor-eletrico.ghtml

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