Estudo mostra que impacto positivo sobre emprego e finanças públicas são reduzidos.
Mercado bastante aquecido nos últimos anos, a construção de grandes parques de energia eólica e solar acumula números chamativos de investimentos e empregos gerados. Nas pequenas cidades do interior do país onde muitos dos maiores empreendimentos do setor estão localizados, no entanto, a realidade é menos vistosa. É o que sugere um estudo que pesquisou os efeitos da chegada desses empreendimentos sobre a economia, emprego e finanças públicas das cidades que os recebem.
Segundo o trabalho dos economistas Fabian Scheifele e David Popp, esses investimentos causam um salto do Produto Interno Bruto (PIB) desses municípios. Já a criação de postos de trabalho é pequena e temporária, concentrada sobretudo na fase de construção e entrada em operação das usinas. Os efeitos fiscais, por sua vez, dependem do tipo de tecnologia instalada: enquanto municípios que receberam parques fotovoltaicos percebem um impulso mais pontual, aqueles escolhidos para abrigar usinas eólicas veem efeitos mais duradouros na coleta de impostos.
Scheifele e Popp estudaram 91 cidades brasileiras, sobretudo no Nordeste, que receberam, entre 2007 e 2021, pelo menos um empreendimento com capacidade instalada mínima de 5 megawatts (MW) – universo que abrange quase a totalidade dos parques eólicos, mas apenas empreendimentos de geração centralizada no caso da solar, modalidade representam cerca de um terço da capacidade total instalada no país. Para isolar os efeitos que podem ser atribuídos às usinas, eles compararam essas cidades com municípios de porte parecido do mesmo Estado.
Os pesquisadores encontraram que a instalação dos empreendimentos solares gera, em média, de 1 a 1,5 emprego por MW instalado até 15 meses antes da entrada em operação de um parque solar, momento a partir do qual o efeito fica insignificante. Essas vagas, no entanto, são sobretudo relacionadas à instalação do parque e rapidamente deixam de existir.
Uma vez que o tamanho médio do parque fotovoltaico no início da operação era de 64 MW, isso se traduz em até 96 postos de trabalho no auge do período da obra. São resultados modestos, avaliam os pesquisadores, mas que precisam levar em consideração também o tamanho mediano das cidades estudadas, de 20,7 mil habitantes.
Já no caso da usina eólica, a situação se inverte: o impacto sobre o emprego é praticamente nulo durante o período de construção e, em geral, beneficia trabalhadores e empresas registradas fora do município escolhido. No primeiro ano de operação, no entanto, esse efeito sobe temporariamente a 0,25 posto de trabalho por MW, puxado por atividades de manutenção e por empresas e trabalhadores que são contratados localmente. Uma vez que o tamanho médio da amostra de parques eólicos foi de 51,3 MW, esses números se traduzem em uma geração temporária de 13 vagas de emprego.
“Vale ressaltar que os resultados encontrados são específicos sobre o efeito local. A indústria eólica e solar cresceu bastante no Brasil e gerou muito mais investimentos, receitas com tributos e empregos nas últimas décadas. No entanto, esses efeitos estão espalhados por todo o país”, afirma Scheifele, da Universidade Técnica de Berlim e do Banco Mundial. “A grande produção de componentes e outros serviços, por exemplo, não é feita nessas cidades. O que buscamos foi isolar o efeito que as cidades que recebem esses parques veem.”
Se o impacto sobre o emprego local é baixo, o valor adicionado dessas cidades têm forte impulso. Cidades que recebem parques solares veem crescimento médio de 23% do PIB no primeiro ano após a entrada em operação, enquanto no caso da energia eólica esse crescimento chega a 18% cinco anos depois da entrada em operação.
Em ambos os casos esse salto ocorre quase que exclusivamente pela venda de eletricidade. Enquanto ela faz saltar o PIB industrial da cidade, outros segmentos da economia, como serviços, agricultura, não são impactados pela entrada em operação dos parques.
Cidades vizinhas também não mostraram mudança estatisticamente significativa no padrão de atividade. Isso sugere que esses investimentos não são o pontapé de transformações mais estruturais na economia cidade ou da região.
“A conclusão que vejo é que os investimentos solares e eólicos fazem o que se propõem a fazer, mas não muito mais. A vida dessas cidades não muda muito”, diz Scheifele. “Mas não dá para dizer que o efeito é negativo. É um investimento volumoso, especialmente se pensarmos que eles ocorreram em cidades pequenas do Nordeste.”
Do ponto de vista fiscal, o trabalho encontrou um aumento pontual de 11% das receitas com tributos nas cidades que recebem parques solares de geração centralizada no ano antes da entrada em operação e de 26% no primeiro ano de existência, mas esse efeito praticamente desaparece depois.
Já no caso das usinas eólicas, o crescimento médio da receita das prefeituras chega a 4% no segundo ano e a 15% no quinto ano. A receita extra, inclusive, se transforma em mais gastos por parte dos governos anos subsequentes, especialmente com infraestrutura, educação e programas de assistência. Esse efeito não é encontrado nos municípios que recebem parques solares.
Os pesquisadores não souberam dizer qual o motivo dessa diferença. “Infelizmente, é uma questão que ficou em aberto. É preciso lembrar, no entanto, que o estudo usa dados até 2021, e a maior parte dos parques foi criada depois de 2020”, ressalta Scheifele.
Para Bráulio Borges, economista da LCA Consultores e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), uma explicação possível é o fato de que a produtividade por MW instalado da tecnologia eólica é maior. “O fator de capacidade [indicador de quanto uma usina gera em relação ao seu potencial máximo] por megawatt instalado é, aproximadamente, 25% no caso dos painéis solares e entre 50% a 60% nos parques eólicos localizados no Nordeste”, explica. “A tributação sobre a energia gerada é a mesma em ambos os casos. Só que se produz mais energia por capacidade instalada no segundo caso”.
Borges, que é autor de um estudo para a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), reforça o escopo específico do estudo. “Ao olhar apenas para impacto sobre os municípios onde ocorrem esses investimentos, o estudo deixa de fora o impacto total do setor sobre a economia brasileira. Por isso, ele não é comparável com a maioria dos estudos do setor, que foca nos impactos macroeconômicos”, diz. “Além disso, como os empreendimentos são relativamente recentes, ele não abarca efeitos mais amplos de impactos diferidos no tempo, como o efeito do crescimento dos gastos com educação e infraestrutura no médio e longo prazo.”
No caso específico da geração solar, outro ponto a destacar é o fato de que o estudo focou nos grandes empreendimentos. Segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), a geração centralizada é responsável por 13 gigawatts (GW) dos 41 GW de capacidade instalada no país. O restante é fornecido pela geração distribuída, também conhecida por geração “de telhado”, presente em todo o país.
“A Absolar realiza levantamentos de mercado desde 2012 e, segundo os indicadores, o setor solar fotovoltaico já trouxe mais R$ 199 bilhões em investimentos acumulados, que correspondem a R$ 61 bilhões em arrecadação de impostos”, afirma a entidade.
m seus cálculos, a indústria gerou 1,2 milhão de empregos verdes no país desde então. Já o índice de emprego gerado por cada MW instalado chegaria a 3,41 no caso da centralizada e 1,03 no caso da distribuída, segue a Absolar, citando estudo da agência alemã GIZ em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina.
O estudo de Borges para a Abeeólica estimou que o setor gerou 10,7 empregos por MW no país entre 2011 e 2020, ou 195,5 mil empregos, ou 10,7 vagas por MW instalado. A indústria também teria acrescentado 0,51 ponto porcentual ao PIB, considerando o investimento, operação, manutenção e geração de energia.
Outro trabalho, produzido para a Abeeólica pela GO Associados, calculou que as regiões Nordeste e Sul receberam R$ 67 bilhões em investimentos de 2011 a 2019. Esses que resultaram no pagamento de R$ 22,4 bilhões em tributos e criaram, em média, de 103,8 mil empregos diretos por ano, além de 394,3 mil empregos indiretos.
Usando metodologia semelhante à de Scheifele e Popp, o estudo também estimou que os investimentos do setor em 44 cidades das duas regiões elevaram, em média, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) em 20,19% de 2000 a 2010. O setor também teria contribuído para um PIB 21,1% maior na comparação com cidades vizinhas entre 1999 e 2017.
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/06/10/parques-de-energia-fazem-pib-do-interior-crescer-sem-ter-efeito-local.ghtml