Garantir fornecimento de energia dependerá de diversidade de fontes e precisão na previsão meteorológica.
Houve um tempo em que os responsáveis pelo setor de energia elétrica no Brasil concentravam a atenção no regime de chuvas. As usinas hidrelétricas eram o sustentáculo do abastecimento, tendo na retaguarda termelétricas a carvão e óleo. Esse tempo passou. Hoje, hidrelétricas respondem por metade da produção de energia, e as fontes renováveis, solar e eólica, somadas, já fornecem mais de 20%, com tendência de crescimento.
A matriz energética se mantém limpa, mas sua gestão se tornou mais complexa. A situação é agravada pela multiplicação dos eventos climáticos extremos, como tempestades e secas cada vez mais intensas. O clima passou a ser fator primordial na transição energética, afirmou ao GLOBO o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi.
Diante dessa realidade, o ONS tem dado prioridade ao reforço dos 180 mil quilômetros de linhas de transmissão e ao uso de previsões meteorológicas mais precisas. A onda de calor recente foi antecipada pelos meteorologistas, levando ao aumento na produção de energia necessária para atender aos sistemas de refrigeração de Sudeste, Sul e Centro Oeste.
A rotina dos operadores do setor elétrico ficou mais intensa. A importância crescente das fontes intermitentes de energia como eólica e solar — o vento oscila, e o sol pode ser encoberto por nuvens — exige mais dos operadores. É por isso que Ciocchi destaca a importância daquilo que os técnicos chamam de “energia despachável”, disponível sob demanda para ser levada às linhas de transmissão. Na matriz brasileira, é o caso da geração hidrelétrica e da termelétrica.
Para enfrentar a nova realidade, Ciocchi defende investimentos e uma reestruturação no setor elétrico. Se a Eletrobras continuasse estatal, isso não seria possível. De acordo com a economista Clarice Ferraz, diretora do Instituto Ilumina, é essencial elaborar um plano nacional de aperfeiçoamento das redes das distribuidoras. Ela propõe que isso seja incluído na revisão das concessões das 53 empresas reguladas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Elas precisam pedir a renovação da concessão 36 meses antes do término. Oito têm até o fim de 2024 para fazer isso. A Light, do Rio, e a EDP, do Espírito Santo, já renovaram. Os técnicos consideram as distribuidoras o elo mais frágil do setor. Elas estão mais vulneráveis aos choques climáticos, aos picos de consumo no calor e às oscilações na geração, com a proliferação de painéis solares conectados à rede.
Há, por fim, o lado do consumidor, que paga uma conta de luz alta, em que estão embutidos vários subsídios, além do custo de furtos e da instabilidade do sistema. Uma família com recursos para instalar placas solares recebe 14 vezes mais subsídio que uma família carente com direito à tarifa social. Tal mecanismo amplia a desigualdade. Como diz Jerson Kelman, ex-diretor da Aneel: “É preciso estancar a bola de neve formada por leis que criam subsídios custeados por quem não pode, em benefício de quem não precisa”.