Mudanças climáticas: setor discute custo de adaptação

Plano de adaptação climática do setor será apresentado pelo Ministério de Minas e Energia.

Uma pergunta que não tem preço no setor elétrico é: qual será o custo de adaptação e de mitigação dos impactos das mudanças climáticas? Há uma discussão ampla e transversal no governo, por meio do Plano Clima, e o Ministério de Minas e Energia está construindo uma proposta do que seria o plano de adaptação para o setor de energia, que deverá ser apresentado em workshop ainda sem previsão de data.

Em relação ao plano de mitigação, há uma mobilização no setor elétrico para tentar fazer um inventário de emissões e identificar no que é possível trabalhar, informa Julia Sagaz, integrante do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico (Fmase) e diretora Socioambiental da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape).

O MMA entende que a indústria e o setor de energia devem trabalhar na captura de emissões de setores que não podem reduzi-las, como a Agricultura e a Pecuária, que é um grande emissor de metano. No setor energético isso seria feito por meio de biocombustíveis e biomassa, e na indústria pela captura emissões e com eficiência energética.

Muito se fala, no setor, na importância do uso de tecnologias que tornem as instalações de produção e transporte de eletricidade mais resilientes aos eventos climáticos extremos. O movimento tem de estar alinhado à própria capacidade do planejamento em pensar soluções que deem maior flexibilidade na gestão e na recomposição das infraestruturas.

Há, também, um consenso de que a adaptação vai exigir mais investimentos em tecnologias de redes inteligentes. Mas não tem solução única e é preciso avaliar experiências que tem funcionado em outras partes do mundo.

“O planejamento não pode ser feito mais analisando simplesmente a questão do aproveitamento ótimo [da usina] ou do melhor traçado. Ele vai ter que se preparar para todas essas transformações que estão acontecendo e que vão ser cada vez maiores daqui para frente,” afirma a executiva da Abiape.

Para o setor elétrico, adaptar significa, por exemplo, ter hidrelétricas com reservatórios que consigam manter o abastecimento na seca e atuar na contenção de cheias; linhas de transmissão resistentes a ventos fora dos padrões, descargas elétricas e incêndios. Na parte de distribuição, o grande desafio é a resposta rápida aos impactos na rede elétrica, para a retomada do fornecimento de energia ao consumidor.

O Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação – MCTI já analisou onde ocorrerão os principais impactos das mudanças do clima no país. E todo o planejamento do governo já está sendo feito dentro dessa linha, afirma Julia Sagaz.

“É preciso ser muito humilde e olhar para o lado, porque está todo mundo aprendendo junto. Eu acho que o efeito [das mudanças do clima] está vindo muito rápido. Então, ninguém tem a chave mágica, uma bala de prata, na verdade. Inclusive, esse processo como um todo é feito de diversas medidas, e não de uma medida única. Por isso que é muito importante esse diálogo e a troca de experiência”, afirma Ângela Gomes, diretora da PSR.

Para a consultora, eventos extremos podem ter impactos diferentes, de acordo com o tipo de evento climático e o perfil da instalação atingida. E quando se fala em resiliência na rede, a robustez deve ser aliada à flexibilidade para minimizar os impactos.

A PSR está iniciando um trabalho com a Equatorial CEEE (RS) que envolve o cruzamento georreferenciado da rede da distribuidora com os eventos climáticos mais severos que ocorrem na área de concessão, para tentar internalizar o diagnóstico no planejamento da rede da empresa.

Há outro trabalho em parceria com a agência alemã GIZ, que olha especificamente os impactos das mudanças climáticas nos reservatórios das hidrelétricas. E, também, uma discussão com instituições financeiras e seguradoras para trazer o cálculo de riscos climáticos para os modelos financeiros.

Passado não explica o presente

Victor Ribeiro, Gerente Consultor Regulatório da Thymos Energia, destaca que vários operadores de outros mercados no mundo já descobriram que o passado cada vez vai explicar menos os acontecimentos presentes, associados às mudanças climáticas. E estão cada vez mais conservadores, investindo em previsão e resiliência, que é a capacidade do sistema de se recompor.

O Brasil tem enfrentado ondas de calor e a pior seca dos aquíferos do Norte e Centro-Oeste dos últimos 700 anos, o que afeta o fluxo dos rios. A tendência é ter crises hídricas com mais recorrência. E nada disso está refletido no planejamento que é feito em cima dos modelos computacionais de operação e formação de preço. Por isso, é preciso aumentar a aversão ao risco e parar de olhar tanto para o passado, aconselha o consultor.

A mesma coisa se aplica ao planejamento da transmissão. O que aconteceu no passado não significa que vai se comportar sempre da mesma forma, e aí tem que aumentar a parte de monitoramento dos eventos extremos, para mobilizar as equipes com maior antecedência na recomposição do sistema. Uma situação que é bem parecida também com a das distribuidoras, que precisam investir, por exemplo, em ferramentas de predição.

Em outros mercados, conta Ribeiro, existe um fundo climático que garante a liberação mais rápida de recursos do seguro, caso aconteça um evento climático extremo. Ele destaca que as mudanças na percepção de risco e os requisitos de confiabilidade diante do novo cenário também podem mudar os requisitos dos projetos do setor e relata uma experiência pessoal para reforçar a avaliação:

“Eu participei de leilão de energia nova de hidrelétrica em 2004, há 20 anos. Eu estou vendo cenários acontecerem hoje que não estava previsto na avaliação econômico-financeira. Ou seja, a hidrelétrica não conseguir gerar aquilo que está estimado na garantia física, na energia assegurada, ela fica exposta em relação a MRE (Mecanismo de Realocação de Energia). Então, por exemplo, se aquele mesmo projeto fosse hoje, ao estudar aquela bacia, aquele fluxo do rio, já teria uma outra concepção de projeto e outra concepção de preço, de dar outro lance no leilão. Então a gente vai começar a perceber isso nos próximos anos, nos leilões de transmissão e de geração também.”

GTD

Na mesma linha, a presidente da Associação Brasileira das Empresas de Geração de Energia Elétrica (Abrage), Marisete Pereira, afirma que novas avaliações terão de ser feitas, tanto na questão dos melhores aproveitamentos hidrelétricos, quanto do planejamento de novos troncos de transmissão.

Ela acredita que a adaptação aos novos cenários com certeza trará custo adicional, como mostrou o dia seguinte dos eventos climáticos que afetaram São Paulo e Rio Grande do Sul desde o ano passado. A partir desses eventos, a Aneel aumentou as exigências em relação a redes de distribuição mais resilientes. “Essa questão climática vai exigir novos protocolos, não tem dúvida. Em todos os sentidos,” afirma a executiva da Abrage.

No caso das hidrelétricas, a adaptação deve envolver, por exemplo, locais que podem ser mais importantes para armazenar água e ter usinas que ajudem não só na geração de energia elétrica,
mas também no planejamento. Elas podem atuar tanto na reservação de água onde os eventos
de seca sejam mais críticos, quanto no controle de cheias, em regiões de alagamentos, destaca
Paulo César Domingues, assessor técnico da Abrage.

Domigues, que foi secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, prevê que
os critérios de segurança devem aumentar, embora, no caso das UHEs, eles sejam bastantes rigorosos. As barragens desses empreendimentos são projetadas para um nível de cheia de 10.000 anos. No Rio Grande do Sul, por exemplo, nenhum dos empreendimentos atingidos pelas inundações teve problemas na estrutura.

O presidente da Associação Brasileira de Empresas de Transmissão de Energia Elétrica, Mário Miranda, conta que nenhuma transmissora relatou mudança substancial dos contratos de seguro após os eventos do Rio Grande do Sul, mesmo com os prejuízos contabilizados em bilhões de reais.

Cada empresa afetada está adotando um tipo de solução para adaptar suas instalações. Enquanto uma transmissora projeta fazer o ilhamento de uma subestação inundada, por meio de um dique de contenção para evitar a entrada de água; outra concessionária acredita que é melhor deixar inundar o pátio dos equipamentos, aumentando, contudo, a altura da sala de comando, que é o grande problema, bem acima da cota de inundação.

Em relação às torres, a grande preocupação está na região serrana do estado, onde teve movimentação de terra. Enquanto se estuda uma solução estrutural, muitas instalações entraram em operação de forma precária para assegurar o atendimento ao consumidor, mas as mudanças ainda virão, diz Miranda.

Está sendo estudada ainda a reavaliação dos novos ventos, para ver que medidas podem ser adotadas para tornar mais seguras as novas redes a serem leiloadas. “Não temos esse controle de informação. Nós não temos maturidade para afirmar como é que vai se dar a forma da nova composição das estruturas de transmissão, porque essas variáveis climáticas não são estabilizadas. Esse é o problema.”

Para Miranda, será necessário um sistema de transmissão mais robusto para ter mais confiabilidade, o que exige mais segurança orgânica dos equipamentos. “Vamos ver, com esses estudos que nós estamos fazendo, quais são as soluções de propostas, sempre olhando a solução técnica adequada, mas com o devido sinal econômico,” afirma o executivo. Ele ressalva, no entanto, que é cedo para dizer que vai ter aumento de custo.

Marcos Madureira, presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, também avalia que diante da frequência elevada dos eventos extremos será preciso criar redes que possam suportar eventos dessa natureza. Mas esta não seria a única solução.

É possível criar mais alternativas de religação automática da rede para atender uma determinada carga, por meio da digitalização. O próprio equipamento hoje já identifica determinado trecho de rede sem energia, testa outros pontos e religa sem necessidade de intervenção humana, o que reduz o tempo do desligamento e dá mais flexibilidade à rede. “São investimentos que provavelmente vem sendo feitos e vão ter que se intensificar.”

AAbradee desenvolve atualmente três projetos. Um deles envolve aumentar o conhecimento sobre soluções adotadas por países que já convivem há mais tempo com eventos com impactos similares, como os furacões e os tornados nos Estados Unidos. Uma dessas experiencias é o compartilhamento de equipamentos e pessoal entre as concessionárias, que já tem regras claras nos EUA. No Brasil, foi usada de forma experimental em território gaúcho, e a ideia é de possa ser um prática permanente.

Há uma projeto de pesquisa e desenvolvimento em fase de contratação para estudar como melhorar a previsibilidade dos eventos, a questão da resiliência das redes, entre outros pontos. Existe, ainda, um outro trabalho que deve ser feito em parceria com uma agência americana, voltado para a questão dos eventos climáticos extremos.

Por último, há um projeto capitaneado pela Aneel em São Paulo, que busca melhorar a capacidade de monitoramento meteorológico no estado. E um estudo sobre o monitoramento dos eventos, com ações conjuntas com outros atores que atuam nas cidades.

Algumas ações resultantes desses estudos vão levar dois anos para serem aplicadas, mas estão previstos produtos intermediários, como o compartilhamento mais eficiente de recursos entre as empresas.

“Eu acho que, sem dúvida, nós vamos ter investimentos maiores,” diz Madureira. Até por volta de 2020, as distribuidoras investiram entre R$18 bilhões e R$ 20 bilhões por ano. Esse patamar subiu para R$32 bilhões a R$33 bilhões, mesmo com a redução da taxa de crescimento do consumo.

Por Canal Energia.
https://www.canalenergia.com.br/especiais/53290993/mudancas-climaticas-setor-discute-custo-de-adaptacao?utm_source=ClippingDBGG&utm_medium=WApp&utm_campaign=DGBB

Está gostando? Compartilhe!

Generic selectors
Exact matches only
Search in title
Search in content
Post Type Selectors

Lages Advocacia
Agronegócio | Direito Ambiental e Urbanístico | Direito Digital e Business Strategy | Direito Imobiliário | Direito Minerário | Direito Tributário

Horário de Atendimento
Segunda-feira a Sexta-feira
8h00 – 12h00 e 14h00 – 18h00

contato@lagesadvocacia.com.br

Podemos ajudar?