Governo já definiu sobretaxa na conta de luz e medidas para facilitar uso de usinas térmicas.
A seca que atingiu o Brasil este ano, a previsão de chuvas mais fracas no próximo período úmido, o
aquecimento da atividade econômica e uma mudança no padrão de consumo de energia no país
acenderam o sinal de alerta no setor elétrico. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já fixou bandeira vermelha 1, que é uma sobretaxa na tarifa.
Esta semana, o governo aprovou uma série de medidas para facilitar o uso de usinas térmicas — a previsão é que entre 70% e 80% delas sejam acionadas para garantir a segurança no fornecimento.
A atual escassez de chuvas tem componentes diferentes em relação a 2021, a última vez em que o Brasil precisou acionar a maior parte de suas termelétricas. Naquele período, a atividade econômica estava em ritmo mais lento, e o consumo de energia era menor do que é atualmente.
Além disso, as ondas de calor que atingiram o país nos últimos meses têm causado uma alta nos picos de demanda, que estão cada vez mais fortes.
Desde novembro, foram registrados quatro recordes, quando o auge do consumo de energia superou 100 mil megawatts (MW). Em março, no verão, este pico chegou a 102.478 MW. No mês passado, em pleno inverno, o patamar seguiu alto. O país chegou a consumir mais de 92 mil MW no pico, em 21 de agosto.
Poupando hidrelétricas
O problema é que, além de o pico do consumo de energia ser mais intenso, o auge do gasto, como ocorreu recentemente, agora é por volta das 18h, justamente quando a geração solar diminui e a eólica também não está em plena carga, o que exige o acionamento maior de hidrelétricas e térmicas.
João Carlos Mello, CEO da consultoria Thymos, explica que a forma como o sistema elétrico foi construído exige fontes “despacháveis”, que não dependam de sol e vento para gerar energia. Para
ele, como o Brasil não prevê novas hidrelétricas com reservatórios, a opção são as térmicas:
—Quando entra muita energia solar ou eólica no sistema, o ONS (Operador Nacional do Sistema) precisa fazer um balanço em tempo real. Vamos ver cada vez mais esse tipo de situação com o avanço das renováveis. Quando há algum problema, os equipamentos são desligados. Foi isso que aconteceu em 13 de agosto do ano passado, quando gerou um apagão.
O ONS prevê que, este mês, o fluxo de águas para os reservatórios das usinas seja o segundo pior nos 94 anos da série histórica. A alternativa será acionar mais térmicas.
Clarice Ferraz, economista e diretora do Instituto Ilumina, ressalta que o acionamento da bandeira vermelha indica recuo no nível de armazenamento das hidrelétricas, por causa do maior consumo, seja pela atividade econômica ou pelas ondas de calor, cada vez mais constantes.
— Se não forem usadas as usinas térmicas para poupar as hidrelétricas, vamos chegar ao próximo período úmido com níveis muito baixos. E aí a gente não consegue atender a ponta do consumo. Normalmente, as chuvas voltam em novembro, e as previsões são de chuvas abaixo da média. E quem paga é o consumidor — afirma Clarice.
A economista lembra que setores industriais que demandam muita energia vêm aumentando seu consumo. Em paralelo, as ondas de calor aumentam o consumo de energia entre os consumidores residenciais. Dados do ONS apontam que, em agosto deste ano, o consumo de energia foi de 81.317 MW médios. Em relação ao mesmo período de 2023, segundo os boletins diários de operação, foram 73.263
MW médios. Ou seja, houve um crescimento de quase 11%.
Pouca expansão
Segundo Edvaldo Santana, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a previsão de chuvas menor que a média do período exige o acionamento de um volume considerável de termelétricas. Além disso, a economia mais forte aumenta o consumo médio de energia, afirma:
— Há ainda o calor, que eleva a demanda durante a parte mais quente do dia. O planejamento da operação do sistema tem adotado medidas adequadas. Mas o planejamento da expansão (do parque elétrico fornecedor de energia) praticamente não existiu nos últimos 15 anos. A expansão tem sido determinada pelos subsídios, portanto, pelos lobbies e pelo Parlamento, que não dão atenção para a confiabilidade do sistema — critica Santana.
O indicador que mede a quantidade de chuvas que alimenta a vazão dos rios, abastecendo as usinas, mostra o tamanho da escassez hídrica. Ele chegou a 53% neste início de setembro. No mesmo mês de 2023, esse patamar era de 87%. É o menor patamar na média anual desde 2020. E no cenário menos favorável traçado pelo ONS, o mês de setembro pode ter a segunda pior vazão para este período em 94 anos de medições.
O sistema não pode balançar, e . Em geral, no momento de pico de consumo, no fim da tarde, saem do sistema 25 GW de energia solar de forma instantânea. Isso é 10% da capacidade instalada. É muita coisa — afirma Mello.