Montantes elevados dessas fontes inviabilizam a otimização da operação do Sistema Interligado Nacional e prejudicam a confiabilidade do parque gerador.
A geração eólica e solar fotovoltaica pode continuar sendo acrescida ao Sistema Interligado Nacional (SIN), em elevados montantes, como nos últimos anos? Por serem renováveis, o Brasil pode adotar prioritariamente estas fontes intermitentes para atender seu mercado de energia elétrica?
A incorporação de montantes elevados de geração intermitente ao SIN dificilmente lhe proporcionará configuração e operação ótima, bem como confiabilidade. Dificuldades aumentarão, no tocante a: 1) segurança energética e elétrica do SIN; 2) aumento da geração a combustíveis fósseis; 3) déficits sistêmicos e custos para os consumidores; 4) operação das hidroelétricas e dos seus reservatórios restringida por outros usos dos recursos hídricos; 5) cumprimento dos compromissos contratuais de suprimento; 6) suprimento ao SIN da totalidade da energia garantida.
Eólicas e solares fotovoltaicas diferem das hidroelétricas e termoelétricas pela sua intermitência, disponibilidade e limitado controle da sua operação, particularmente do “despacho” da sua geração. A intermitência devida à variação dos ventos e da insolação é incontrolável. O Operador Nacional do Sistema (ONS) não controla o montante de geração das eólicas e/ou solares. Pode apenas ligá-las e/ou desligá-las para evitar excedentes de geração e equilibrá-la em relação à carga do SIN.
Quando um aumento da geração vem a ser requerido, eólicas e solares não poderão atendê-lo se os ventos e/ou a insolação forem desfavoráveis. O contrário, elevadas disponibilidades de geração dessas usinas podem deixar de ser aproveitadas, devido à dificuldade de sua alocação na curva de carga do sistema. É o que ocorre quando a geração instantânea mínima obrigatória do parque gerador é maior do que a demanda, naquele momento.
Isto acontece sobretudo nas madrugadas, nos feriados e fins de semana, principalmente nos cinco meses de cheias dos rios não regularizados da região Norte. Neste período, as hidroelétricas destes rios operam na base, com geração de toda a capacidade instalada, durante as 24 horas do dia, para obterem o máximo aproveitamento das elevadas vazões disponíveis, de modo a gerar toda a energia garantida que embasa seus contratos de fornecimento. Pode ser necessário reduzir a geração das eólicas e solares quando esta, somada à geração mínima obrigatória do restante do sistema gerador, for maior do que as demandas instantâneas da
curva de carga.
Neste caso, o ONS provoca vertimento de energia turbinável nas hidroelétricas do Norte e/ou desligamentos de parte da geração do parque eólico/solar, com redução da produção de energia. Esta redução inviabiliza o suprimento de toda a energia garantida do sistema gerador, previamente considerada no planejamento e nos contratos de suprimento. Esta redução acarreta desequilíbrio no balanço energético setorial, resultando em elevação dos riscos anuais de déficit, com aumento das expectativas de geração térmica, e, portanto, custos adicionais para os consumidores e para o meio ambiente. Tais reduções de geração têm sido reportadas pelo ONS.
A operação das usinas do SIN encontra-se em situação ineficiente e indesejável, tendo dois operadores distintos: 1) o ONS, com total ação sobre as usinas hidroelétricas e termoelétricas; 2) o outro, o “Operador Natureza” que, conforme a situação dos ventos e da insolação, estabelece a disponibilidade de geração eólica e solar. Assim, fica difícil (talvez mesmo impossível) otimizar a atuação conjunta desses dois operadores, para assegurar a oferta da energia garantida e minimizar o custo da produção de energia elétrica do SIN.
No final de 2023, a capacidade instalada das usinas eólicas, no Brasil, atingiu cerca de 26 GW, cerca de 13% do total do país, segundo o ONS. A capacidade de geração solar fotovoltaica alcançou então cerca de 32 GW, parte dos quais em geração distribuída,
não passível de desligamento pelo ONS. Esses montantes tendem a aumentar, embora menos rapidamente, devido à sobre contratação das concessionárias que atendem os mercados regulados, que decorre da transferência de consumidores para o “mercado livre” e do aumento da geração distribuída.
A inclusão das fontes intermitentes no SIN se justifica, ambiental e economicamente, para montantes de capacidade instalada inferiores aos valores atuais. Montantes elevados dessas fontes inviabilizam a otimização da operação do SIN e prejudicam a
confiabilidade do parque gerador nacional.
A geração das usinas hidroelétricas da região Norte, baseada em vazões muito variáveis e pouco ou nada regularizadas, é relevante para o balanço energético do SIN. Destaca-se Belo Monte (11,4 GW) no rio Xingu, que pode ser levada a reduzir sua produção no período de cheias, para não desligar a geração eólica e/ou solar, impedindo que sua geração atinja sua Energia Garantida. Isto a obrigaria a comprar energia no mercado de curto prazo (spot), para cumprir seus compromissos contratuais. O inverso também pode ocorrer: parte da produção de energia das usinas eólicas e/ou solares pode deixar de ser gerada, para que Belo Monte maximize sua produção. Nesta situação, a produção das usinas intermitentes poderá ficar inferior à contratualmente prevista, acarretando penalidades.
A intermitência da geração eólica e solar exige modificações relevantes no SIN, que não poderão ser plenamente atendidas sem novas despesas, a saber:
1) Necessidade de “usinas reservas” que substituam rapidamente usinas eólicas e solares, nos momentos de forte redução do seu suprimento (atualmente a reserva girante nas hidroelétricas). As atuais usinas intermitentes já necessitam, praticamente, toda a reserva girante nas hidroelétricas do SIN, inclusive da Usina Binacional de Itaipu. A utilização intermitente dessas reservas, com variações acentuadas das descargas a jusante, prejudica outros usos dos recursos hídricos.
2) Redução da segurança energética e elétrica do SIN, devido à: 2.1) impossibilidade de produção da totalidade da Energia Garantida do parque gerador nacional, por simultaneidade da geração de base das hidroelétricas da região Norte e de geração elevada das intermitentes; 2.2) diminuição da “inércia” do sistema de geração, pela absorção de toda a reserva girante do sistema hidroelétrico, inclusive daquela necessária para a operação normal do SIN; 2.3) eólicas e solares, conectadas à rede elétrica mediante inversores de sua corrente contínua não contribuem para a inércia do sistema; 2.4) concentração de usinas intermitentes na região Nordeste e seu suprimento ao Sudeste/Centro Oeste, com grandes variações nos fluxos nas linhas de transmissão inter-regionais, que requerem controle de energia reativa, com eventual redução na confiabilidade desse suprimento.
A expansão da geração eólica e solar fotovoltaica não deve prosseguir com montantes tão elevados como nos últimos anos, para não prejudicar a otimização da geração do SIN, a confiabilidade e o custo do suprimento. O cômputo dos custos decorrentes da intermitência deverá afetar a competitividade e, portanto, a expansão acelerada das usinas intermitentes.
*Resumo executivo do artigo desenvolvido no âmbito do Comitê de Energia da Academia Pernambucana de Engenharia, em 2023/2024, que contou com a participação do engenheiro Pietro Erber na elaboração.
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/impactos-da-geracao-eolica-e-solar-no-sistema-eletrico-brasileiro.ghtml