Brasil poderá ter uma nova matriz elétrica inteira até 2040 destinada à produção do H2V.
A viabilidade do Brasil na produção do hidrogênio verde (H2V) mais competitivo do mundo o coloca em uma perspectiva bem favorável de se tornar o maior fornecedor global do combustível e da molécula para mercados europeus, asiáticos, norte-americanos, mas também para o mercado local. E mais: pode estabelecer um caminho perene de reindustrialização, possibilitando a atração de novas fábricas, mais capital estrangeiro, novas oportunidades de negócios e novas tecnologias. Este fator se deve fortemente à quantidade de recursos renováveis que o país possui para produzir eletricidade, com destaque para as fontes eólica e solar.
O hidrogênio verde tem o potencial de representar entre 12% e 22% de toda demanda de energia no planeta até 2050. Segundo estudo da consultoria Mckinsey, o Brasil poderá ter uma nova matriz elétrica inteira até 2040 destinada à produção do H2V. Isso significa um total de US$ 200 bilhões em novos investimentos no período, destinado à geração de eletricidade, novas linhas de transmissão e mais unidades fabris do combustível e de estruturas associadas, incluindo terminais portuários, dutos e armazenagem.
O país apresenta os melhores potenciais do planeta para geração de energia solar e eólica. Somadas, essas duas fontes respondem por cerca de 30% da matriz elétrica nacional, com 30 GW e 27 GW de capacidade instalada, respectivamente. E serão as fontes que responderam em maior grau em termos de oferta para os próximos 20 ou 30 anos.
Vetor energético, molécula e combustível primário, limpo e versátil, o hidrogênio verde tem o potencial de se tornar eixo estratégico na transição energética e descarbonização dos setores produtivos em geral, de diversos segmentos, inclusive em termos geopolíticos. Trata-se de um processo extremamente sustentável, que pode ser utilizado em diversas aplicações, eliminando de processos industriais – e de seus produtos – as emissões de gases de efeito estufa ou outros poluentes.
No contexto das mudanças climáticas, o hidrogênio verde apresenta-se, portanto, com uma importante tecnologia na direção da descarbonização de variados setores, tais como na indústria, como fonte de energia na forma de molécula para produção de fertilizantes e aço, para fornecer calor e energia elétrica e, mais especialmente, como matéria-prima em processos químicos, no transporte pesado, como combustível de aeronaves, navios e caminhões, além de aplicações no próprio setor elétrico, para armazenamento do combustível em baterias na geração de energia elétrica.
A indústria de cimento internacional, por exemplo, é uma das manufaturas mais poluentes, sendo responsável por 7% das emissões totais de CO2 geradas pela atividade humana no mundo. E o hidrogênio verde pode ser utilizado para reduzir significativamente suas emissões. Também será essencial no setor siderúrgico, que ocupa o primeiro lugar nas emissões de CO2 entre as indústrias pesadas no mundo, e o segundo maior consumidor de energia. E, na produção de fertilizantes nitrogenados verdes, pode reduzir em até 100% nas emissões de carbono no processo produtivo, trazendo benefícios importantes para o nosso agronegócio: segurança alimentar – uma vez que importamos 96% dos nossos fertilizantes nitrogenados, um diferencial ambiental relevante, em linha com o Acordo de Paris e com metas de net-zero, além de ser competitivo com os preços dos fertilizantes fósseis que importamos de países como a Rússia.
Embora apresente uma grande potencialidade, é fundamental o posicionamento assertivo do Brasil como um dos principais produtores do H2V, de forma sólida e rápida, tendo em vista o rápido movimento da economia global em torno do tema. Do lado da demanda, os países europeus, principalmente, estão se movimentando para encontrar soluções de descarbonização dos seus processos produtivos, buscando novas cadeias de fornecimento, o Brasil e naturalmente o principal candidato.
Do lado da oferta, na América Latina, o Chile já se adiantou, com fortes políticas para a energia renovável e para o hidrogênio. Os EUA, com o Inflaction Reduction Action (IRA), apresentaram um pacote de cerca de US$ 400 bilhões para uma política industrial a partir da energia, pagando US$ 3 por Kg de hidrogênio sob a forma de incentivos. Falta por aparato legal-regulatório que apresente as principais diretrizes para a produção do hidrogênio e a criação de mecanismos de incentivos, adaptados as condições brasileiras, uma vez que é sabido que o estado não tem recursos para fazer jus a pacotes de recursos, como ocorre nos países desenvolvidos.
Devido a sua vantagem comparativa do recurso natural e os ganhos de escala para a produção de energia renovável de forma competitiva, se faz necessária a priorização dessas fontes para produção do hidrogênio verde, uma vez que todo o racional para o crescimento desse setor é a descarbonização. Outro ponto importante é o mapeamento e estudo da competitividade da cadeia de valor do H2V, inclusive como forma de identificar oportunidades e gargalos para o Brasil no âmbito de políticas públicas e incentivos.
O mundo avança em termos de políticas, com pelo menos 36 países que já tendo definidos planos para o desenvolvimento e uso do hidrogênio verde. No Brasil, a produção do hidrogênio e da amônia verde já e uma realidade, já temos plantas inauguradas e outras a serem inauguradas e implantadas, além de vários projetos com MOUs (memorandos de entendimento) assinados, que abrangem estados no Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil. O interesse dessas empresas é na produção de H2V nos portos, onde há potencial demanda por esse combustível in loco e acesso à energia renovável competitiva, além da logística disponível para exportação a outros mercados. Mas também projetos no interior do País para consumo pela indústria local.
Com o hidrogênio verde brasileiro, o País pode vivenciar um ciclo nunca visto de ampliação do setor produtivo, desta vez com alta tecnologia para a promoção desenvolvimento sustentável, social e econômico que promovam a transição energética tanto no âmbito nacional quanto em nível global. Entretanto, se faz absolutamente necessário e urgente transformar esta potencialidade em realidade, ou, do contrário, perderemos o bonde da reindustrialização.
Por Valor Econômico.
Link: https://valor.globo.com/opiniao/coluna/hidrogenio-verde-vetor-para-reindustrializacao-no-brasil.ghtml