Eólica offshore impulsiona o futuro energético do país

Energia dos ventos pode elevar em 3,6 vezes a capacidade total de geração brasileira nos próximos anos.

A produção de energia pela força dos ventos continua em alta no Brasil e está prevista nova escalada de investimentos nas próximas décadas. A aposta é na entrada da geração eólica offshore ou captada com aerogeradores instalados no mar, atividade que ainda depende de regulamentação federal.

Segundo especialistas no setor, o interesse de investidores pelo modelo de captação inédito no país é grande: pelo menos 92 projetos já solicitaram pedidos de licenciamento ambiental, de olho na abertura do mercado.

Um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) indica que a produção de energia eólica offshore pode fazer o Brasil aumentar em 3,6 vezes a capacidade total de geração nos próximos anos, alcançando o patamar de 700 gigawatts (GW) – e ainda turbinar a descarbonização da economia, com mais uma opção de energia limpa.

De acordo com a Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), a energia dos ventos no país (no modelo tradicional ou onshore, em terra firme) tem capacidade instalada de 31 GW e representa 14,5% da matriz elétrica nacional, ficando atrás apenas das hidrelétricas (70%). “São mais de mil parques eólicos em 12 Estados”, diz Elbia Gannoum, presidente-executiva da entidade, que afirma que os recursos continuam em curva crescente.

Entre 2022 e 2023, a capacidade instalada registrou um aumento de 18,7%, relata Gannoum, e abasteceu 47,5 milhões de residências. “Alcançamos um recorde no ano passado, com a instalação de 4,8 GW de capacidade”, destaca. “E projetamos implementar mais 4 GW, até o final de 2024.” Na visão da especialista, para o setor produzir ainda mais energia, é necessário criar uma “política industrial verde” e ampliar as redes de transmissão. A eólica offshore também está no centro do debate para acelerar a transição energética para fontes de energia limpa, explica.

“Assim como o hidrogênio verde, a eólica offshore será uma nova etapa da indústria de renováveis”, afirma. “Essas duas tecnologias são protagonistas na ‘neoindustrialização’ do país. Mas é necessário dar celeridade às discussões que envolvem a aprovação do marco regulatório.” Segundo Gannoum, se a regulamentação for consolidada em 2024, a expectativa é inaugurar os primeiros parques offshore em 2030 ou 2031.

Aprovado pela Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 11.247/18, que normatiza a produção eólica offshore, foi encaminhado ao Senado no fim do ano passado. O texto é considerado pelo governo federal como uma das prioridades para 2024. Depois que o Congresso aprovar o PL, a etapa posterior deve ser a realização de leilões de cessão do uso do mar, considerado bem da União.

De acordo com a ABEEólica, o Brasil tem 1.500 GW de potencial em eólicas onshore e offshore. A criação de uma legislação específica para o novo segmento, segundo analistas, pode facilitar a atração de aportes via Banco Nacional de Desenvolvimento e Econômico e Social (BNDES).

Há bastante interesse de investidores e do governo na exploração do offshore, diz a presidente da ABEEólica. Para o Brasil, a tecnologia é estratégica para diversificar a matriz elétrica, pontua. “Será possível abrir uma janela de oportunidades de desenvolvimento socioeconômico e na criação de empregos.”

Da parte das empresas investidoras, é uma chance de explorar um potencial de 700 GW, estimativa da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) em áreas marinhas com profundidade de até 50 metros. “Um GW de eólica offshore pode representar de US$2,5 bilhões a US$ 5,4 bilhões de investimentos”, complementa Gannoum.

A dirigente da ABEEólica lembra que a geração de eólica offshore é mais cara do que a tradicional. Baseada em estudos, ela avalia que o custo estimado de projetos no Brasil alcançaria patamares de aproximadamente R$ 332,76 por megawatt-hora (MWh), ante R$ 250 por MWh, média registrada em outros modelos de captação. “Mas o custo tem caído nos últimos cinco anos, como ocorreu com as eólicas
onshore e os painéis solares.”

Dados do Global Wind Energy Council (GWEC), ou Conselho Global de Energia Eólica, apontam que a tecnologia terá um declínio de custo de energia (LCOE, na sigla em inglês) de 35% a 49%, nos próximos dez anos. “Essa queda é associada ao avanço tecnológico do setor e à existência de um marco legal”, informa o GWEC.

Enquanto isso, as produtoras onshore e do nicho de óleo e gás se preparam para a ampliação do mercado, relata a entidade: montam equipes, submetem projetos para licenciamento ambiental no Ibama [Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e agora dependem da legislação para garantir um fluxo de investimentos.

Lucas Araripe, diretor-executivo da Casa dos Ventos, empresa referência no campo das renováveis com um portfólio de 3,3 GW em operação e construção, não descarta o avanço no mar. “Estamos sempre avaliando negócios”, afirma. “Mas, no momento, ainda há um potencial grande de ventos onshore para serem aproveitados, com menor custo de geração e maior competitividade.”

Araripe diz que a geração de energia eólica em alto-mar traz desafios logísticos e custos maiores de instalação e operação. A estimativa é de uma produção três vezes mais cara do que em terra firme, compara.

A Casa dos Ventos tem uma agenda de projetos em desenvolvimento de 30 GW de capacidade, nas fontes eólica e solar. Os eólicos estão em dez Estados, como Bahia e Rio Grande do Norte.

“O plano é realizar investimentos de mais de R$ 12 bilhões, até o final de 2026”, diz Araripe. O montante será direcionado para a expansão da eólica e solar e no desenvolvimento dos primeiros projetos de hidrogênio verde. No ano passado, a Casa dos Ventos ganhou reforço na operação, com a entrada da multinacional francesa TotalEnergies como sócia.

Segundo Sergio Fonseca, diretor de desenvolvimento de negócios da CTG Brasil – parte da China Three Gorges Corporation, considerada uma das maiores investidoras globais em geração de energia eólica offshore, com cerca de 5 GW instalados na China e na Europa –, o grupo tem interesse na evolução da eólica nos oceanos como uma fonte adicional e complementar aos contratos em curso. “Mas o
desenvolvimento da eólica offshore requer regras específicas para a outorga de áreas e uma política governamental que promova o arranque da indústria e da infraestrutura portuária adequada”, pontua o executivo.

Fonseca revela que a CTG Brasil já está trabalhando em um estudo sobre a viabilidade de projetos. “O objetivo é identificar os ‘estrangulamentos’ fabris, como a cadeia de abastecimento, e os desafios de infraestrutura, com portos e redes de transmissão”, afirma. “Esperamos que a offshore seja competitiva em relação à solar e à eólica em terra firme depois de 2030.” A empresa mantém investimentos em 17 usinas hidrelétricas e onze parques eólicos no país, com capacidade instalada de 8,3GW.

Raul Gil Boronat, CEO na América Latina da Prysmian, de cabos submarinos, já acompanhou de perto projetos de eólicas offshore na Europa e diz que o Brasil tem condições de tornar o “preço” da nova atividade “muito competitivo”, em relação aos praticados em outros países.

“Temos um litoral extenso, muito vento e costas com baixas profundidades, principalmente no Nordeste”, assinala. “Estudos da EPE estimam potencial de gerar uma capacidade três vezes maior que toda a atual capacidade energética brasileira”, diz. Entretanto, o desafio não acaba na instalação dos projetos, pontua. “Seja na energia eólica ou solar, a grande dificuldade do momento é expandir a interligação entre os polos geradores de energia, sobretudo no Nordeste, e os grandes centros consumidores do país”, avalia.

Rodrigo Mello, diretor do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial do Rio Grande do Norte (Senai-RN) e do Instituto Senai de Inovação em Energias Renováveis (ISI-ER), diz que as duas entidades estão envolvidas em um levantamento sobre o potencial eólico do litoral brasileiro, por conta da expectativa de negócios.

“Os primeiros dados do estudo trazem uma perspectiva de bons recursos eólicos, a partir do Piauí, em direção a regiões mais ao norte, até o Amapá”, explica. Os resultados da pesquisa devem ser divulgados na 30a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), em novembro de 2025, em Belém (PA).

Até lá, a expectativa em relação ao início dos projetos sobre as ondas ganha tração. Dados do Ibama indicam que o órgão já recebeu pedidos de licenciamento ambiental para 92 empreendimentos de captação de energia eólica no mar. “O conjunto totaliza quase 220 GW em capacidade instalada ou o equivalente a 15 usinas de Itaipu”, diz o pesquisador Renato Machado Monaro, professor do departamento de engenharia de energia e automação elétricas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP).

“O Nordeste é a região líder em número de projetos, com 47, antes do Sul, com 27”, diz Monaro, que analisou os números do Ibama. “Os principais interessados são multinacionais de energia eólica e do setor de óleo e gás, como a Petrobras.”

A companhia brasileira anunciou em março que planeja sete projetos, com potencial para a geração de até 30 GW, em parceria com a norueguesa Equinor. Os investimentos serão feitos no litoral de Estados como o Rio de Janeiro, Espírito Santo, Piauí e Ceará.

Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/publicacoes/especiais/revista-energia/noticia/2024/05/10/eolica-offshore-impulsiona-o-futuro-energetico-do-pais.ghtml

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