Queda nos reservatórios fez comitê solicitar que usinas fiquem de sobreaviso; cenário pressiona valores.
A Abrace, associação que representa consumidores de energia, enviou à ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) um pedido para usar estratégias que evitem o acionamento de termelétricas durante o período seco. Essas usinas foram colocadas em sobreaviso devido à queda no nível dos reservatórios e à demanda ainda em alta.
O cenário já pressiona o preço de energia usado como referência em negociações do setor, que subiu nas últimas semanas em meio à chegada do tempo seco e de chuvas abaixo do esperado na maior parte do país.
O chamado PLD (Preço de Liquidação de Diferença, usado em negociações de curto prazo e que leva em conta fatores como oferta, demanda e condições hidrológicas) já vinha mostrando elevação pontual em alguns horários do dia –principalmente no começo da noite, quando as usinas solares param de gerar energia e a demanda continua em alta. Agora, o aumento passou a se refletir em indicadores mais amplos, como a média semanal.
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, desde o fim de junho foi observada com mais frequência a redução da disponibilidade de hidrelétricas para atendimento da carga nos períodos próximos às 18h. Isso resultou na necessidade de acionamento de usinas termelétricas, mais caras, e em um despacho de hidrelétricas com valor da água elevado.
Se de janeiro até meados de junho o indicador permaneceu em R$ 61,07/MWh, na última semana de junho passou para R$ 71,39/MWh (aumento de 16%). Na semana seguinte, foi para R$ 111,88/MWh (83% mais do que o valor observado em quase todo o primeiro semestre). Mais recentemente, em meados de julho, esses valores arrefeceram –mas permaneceram 28% acima da primeira metade do ano, em R$ 78,23/MWh.
“Esse comportamento é esperado no período tipicamente seco (redução das chuvas), como o atual, e especialmente quando há a elevação da carga, como reflexo da temperatura ou de outros fatores”, afirma o ministério, em nota. “Eventuais cenários de atenção serão devidamente avaliados e comunicados com transparência e tempestividade”, diz a pasta.
O aumento do PLD, que deve ficar em R$ 90/MWh na média de julho, encarece o custo de empresas expostas à negociações que envolvam o indicador e pode encarecer o custo de grandes companhias que fecham contratos de longo prazo no mercado livre caso elas precisem fechar os termos neste momento.
Marcelo Sá, economista do Itaú BBA, afirma que a elevação vai causar efeitos para os próximos calendários. “A gente tem expectativa que o PLD vai subir nesse segundo semestre, e isso afeta os contratos para os anos seguintes”, afirma.
Apesar de não gerar um reflexo instantâneo para os consumidores comuns, o PLD pode levar à aplicação de uma tarifa mais cara para a população por meio de decisão da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), por ser um dos fatores usados na determinação das chamadas bandeiras tarifárias.
O sistema de bandeiras, adotado em 2015, transfere de forma mais imediata ao consumidor os eventuais aumentos na geração de energia, dando transparência e estimulando um consumo consciente. Até então, o repasse de preços acontecia só nos reajustes anuais.
Entre os cenários considerados pelo mercado, há a possibilidade não apenas de PLDs maiores nos próximos meses como, em menor grau, da aplicação da chamada bandeira vermelha em parte do resto do ano.
Um mês atrás, a Aneel havia determinado que em julho vigoraria a bandeira amarela –após 26 meses sem necessidade de cobranças extras. Na última sexta (26), a agência anunciou que, apesar de menos chuvas para o mês, o volume de água na região Sul tornou possível o retorno da bandeira verde em agosto.
Procurada, a CCEE, responsável pelo cálculo do PLD, afirmou que o consumo de energia cresceu 6,8% no primeiro semestre, na comparação com o mesmo período do ano passado, impulsionado por um avanço da atividade econômica e temperaturas mais elevadas em todos os estados.
A entidade prevê preços próximos ao piso de R$ 61/MWh ou com elevações momentâneas até dezembro, o que elevaria a média do ano para cerca de R$ 100/MWh. Alexandre Ramos, presidente do conselho da CCEE, trabalha com um cenário dentro do esperado e diz que a situação “indica uma oferta com baixo custo e mais do que capaz para atender ao consumo do país”.
Apesar disso, neste mês um comitê formado por membros do governo e entidades de energia pediu ao ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) que demande de termelétricas as medidas necessárias para garantir máxima disponibilidade durante o período seco de 2024. Com acionamento maior desse tipo de geração, a energia tende a ficar ainda mais cara.
O pedido foi feito após avaliação do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), que reúne MME, Aneel, CCEE, o próprio ONS e outros órgãos.
O eventual acionamento de termelétricas preocupa a Abrace (associação que representa os consumidores de energia), que decidiu procurar o ONS nesta semana para evitar o cenário. A entidade teme a geração de custos que poderiam ser evitados.
A Abrace afirma que a situação hidrológica é menos favorável quando comparada aos dois últimos anos e que isso vai exigir estratégias adicionais para atender à demanda no segundo semestre. Por outro lado, defende que antecipar o despacho termoelétrico encarece ainda mais a tarifa de energia do consumidor brasileiro.
“Onde existe uma luz amarela? Em outubro ou novembro, quando você está no auge do desabastecimento dos reservatórios principalmente no Sudeste, e ainda mais se estivermos em dias muito quentes, com geração eólica muito ruim. Pode gerar um problema de potência em algumas horas e existir a possibilidade de o operador ter que ligar térmicas caras para atender as necessidades”, afirma Victor Iocca, diretor de Energia Elétrica da Abrace.
Ele sugere o uso de alternativas por parte da Aneel, como remunerar empresas que reduzirem o consumo em determinadas horas do dia –uma medida mais barata que o uso das termelétricas, que pode custar 50 vezes o patamar normal. “Essa operação é caríssima, e quem vai pagar são todos os consumidores”, diz.
A primeira redução de demanda no modelo atual, de acordo com a Abrace, ocorreu em novembro de 2023 e a ferramenta vem sendo utilizada desde então, chegando a julho de 2024 com aceites de oferta de redução de demanda em praticamente todos os dias do mês, sendo a maior delas de 112 MW no dia 11 de julho de 2024.
A entidade afirma que há também outra possibilidade, o chamado produto por Disponibilidade, para o qual toda a modelagem com o desenvolvimento das regras e minuta de edital estão prontas e dependem apenas de aprovação pela Aneel.
Por Folha de São Paulo.
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/07/preco-da-energia-no-brasil-sofre-pressao-de-seca-e-acionamento-de-termicas.shtml