Medidas vão de aterramento de fiação elétrica até compartilhamento de equipes entre distribuidoras.
Milhões ficam sem energia com queda de árvores e chuvas fortes
Aterramento de fiação elétrica, mapeamento de árvores, planos de contingência com a criação de protocolos de compartilhamento de equipes entre as distribuidoras de energia e a instalação de radares meteorológicos Brasil afora. Essas são algumas das exigências que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estuda a fim de lidar com os efeitos climáticos adversos nas grandes cidades, que têm deixado milhões de consumidores às escuras.
Com a frequência cada vez maior de tempestades, ventos acima da média histórica e ondas de calor constantes, especialistas defendem ainda a necessidade urgente de investimentos adicionais na distribuição de energia. Mas alertam para a capacidade de os consumidores conseguirem suportar novos aumentos na conta de luz, já que as empresas repassam o custo das melhorias. Neste ano, projeta-se
uma alta média de 5,6%.
O debate ocorre em meio ao aumento de 40% no volume das reclamações dos consumidores. Segundo dados da Aneel, em 2023 foram 84.328 queixas. Para o diretor-geral da Aneel, Sandoval Feitosa, os investimentos entre as concessionárias de energia, que somaram R$ 31 bilhões no ano passado, precisam ser maiores.
— Não há sinalização de carência de investimentos. O que acontece é que esses investimentos talvez precisem ser maiores — afirma Feitosa. — O ano de 2023 foi o mais quente da História. O clima está relacionado com o setor elétrico, pois dependemos do clima para nossa segurança energética. Em geração e distribuição, já lidamos com esses desafios há décadas e passamos a desenvolver soluções.
Agora, temos os eventos climáticos severos no setor de distribuição.
Desde novembro, consumidores ficaram sem energia elétrica por dias em cidades dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, entre outros. A demora por parte das concessionárias em reestabelecer o serviço levou ainda diversas prefeituras a entrarem com requerimentos na Aneel apontando falhas na prestação de serviços.
— Quando há um evento (climático) na distribuição, há destruição de rede, com desconexão de milhares de consumidores que precisam ser reconectados. E isso demanda muitos profissionais. E as distribuidoras não estavam preparadas para esse ambiente desafiador — diz Feitosa, lembrando que a Aneel multou a Enel em R$ 165 milhões pelo apagão em São Paulo no início de novembro.
Como esse cenário é cada vez mais frequente, a Aneel deu início, este mês, a uma tomada de subsídios — espécie de consulta pública no âmbito de sua superintendência. Com base nisso, vai preparar uma instrução técnica, a ser encaminhada a um relator que avaliará um conjunto de novas regulamentações, com obrigações, procedimentos, protocolos de trabalho e novos serviços para as distribuidoras, adianta Feitosa:
— Estamos preparando um conjunto de regulamentos associados ao aumento da resiliência do sistema de distribuição frente aos eventos climáticos já neste ano de 2024. Temos pressa. Mas não preciso que um novo contrato seja firmado no âmbito da renovação das concessões. A Aneel tem poder para fazer ajustes na prestação de serviços do ponto de vista da regulamentação. No Rio Grande do Sul, os projetos de postes já estão sendo dimensionados para suportar ventos acima de 100 quilômetros por hora.
Impacto nas tarifas
Dentro desse novo conjunto de regras, a ideia da Aneel é criar um plano de contingência, a ser compartilhado entre os poderes públicos e as empresas. Por isso, será preciso mapear as condições das árvores, o trajeto da rede elétrica e o tráfego, além de estabelecer regras de comunicação entre os órgãos, como Defesa Civil e Bombeiros. É estudada ainda a criação de um protocolo para compartilhamento de equipes e recursos entre as distribuidoras de energia.
Feitosa ressalta que a nova regulamentação vai apontar a necessidade de haver um sistema de detecção de eventos climáticos, com a instalação de radares meteorológicos, para melhorar a velocidade e a precisão de resposta. O diretor-geral da Aneel lembra que é preciso ainda discutir o aterramento da fiação elétrica — hoje, mais de 99% da rede no Brasil é aérea.
— Uma rede subterrânea custa cerca de dez vezes mais que uma rede aérea. Mas é necessária ainda uma discussão com as empresas de telecomunicações, por conta do compartilhamento de postes, por exemplo. Por isso, é preciso até uma conversa legislativa ou pensar uma política pública, via Ministério das Cidades. Só a Aneel não consegue fazer isso sozinha — afirma. — Mas fazer redes elétricas mais resilientes tem um custo. Temos que ser precisos, de forma a evitar uma tarifa muito elevada.
Segundo Vanderlei Martins, especialista em planejamento energético e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), uma das barreiras à adaptação das concessionárias de energia a eventos climáticos extremos é justamente como as elas vão repassar esses investimentos às tarifas. — Além dos aspectos técnicos, há a questão de como o investimento será remunerado — diz Martins. — A necessidade de investimentos contínuos em resiliência, juntamente com políticas públicas, é crítica para garantir a segurança energética e minimizar as interrupções no fornecimento de energia.
Ele ressalta que, como nem todas as distribuidoras têm capacidade de investimento, é importante desenvolver o conceito de “justiça climática”, que envolve a característica socioeconômica e a complexidade ambiental da área de atuação das concessionárias:
— Os investimentos necessários para melhorar a resiliência das redes elétricas podem ser substanciais, variando distintamente entre as regiões.
Para Jerson Kelman, ex-diretor-geral da Aneel, o sistema elétrico como um todo necessita de revisão, já que as concessionárias não estão preparadas para lidar com os atuais eventos climáticos. Ele destaca a importância de revisar os critérios nos projetos, com postes e torres de transmissão mais resistentes aos ventos, e de haver maior coordenação entre as empresas e a administração municipal sobre a poda de árvores:
— A remuneração dos investimentos das empresas do setor elétrico, como aliás de todos os serviços públicos, é via tarifas. Por isso, é preciso cautela para não exigir das concessionárias investimentos absurdos, que ultrapassam em muito a capacidade de pagamento dos consumidores, como seria, por exemplo, o aterramento de toda a rede de distribuição.
O engenheiro elétrico Roberto Pereira D’Araújo, do Instituto Ilumina, lembra, por sua vez, que a Aneel precisa incrementar o seu papel de fiscalizadora, para identificar as áreas mais arriscadas. Hoje, a Aneel conta com cerca de 100 profissionais (o que inclui conveniados regionais) para fiscalizar todo o setor, da geração à distribuição. Segundo Feitosa, seriam necessários de duas a três vezes mais.
— A concessão das distribuidoras é da União, mas o ordenamento vegetativo das ruas é tarefa das prefeituras. Portanto, isso envolverá um grande convênio a nível nacional. Essa confusão dos postes já deveria ter sido alvo de uma regulação que exigisse um planejamento de poda da vegetação em parceria com as prefeituras — afirma D’Araújo.
A Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) está fazendo um estudo internacional para analisar e tratar os efeitos dos eventos extremos, a fim de aumentar a resiliência das redes. Segundo o presidente da entidade, Marcos Madureira, há também estudos para estruturar o apoio de equipes e equipamentos entre as distribuidoras, em uma espécie de “mutirão” para agilizar a resposta a eventos climáticos extremos.
— As redes subterrâneas não são totalmente imunes, pois podem ser impactadas por inundações. Uma alternativa mais econômica que também traz resultados é um melhor manejo das árvores que tenham potencial de cair sobre a rede elétrica. É necessário um ajustamento com os governos municipais para ter uma arborização adequada — diz Madureira.
Ana Paula Ferme, da área de Regulação Econômica na Thymos Energia, também considera que um “manejo vegetal eficaz” pode evitar interrupções de energia. Mas ela considera necessário rever o modelo de concessão, para incorporar de forma mais explícita a preparação e a resposta aos eventos climáticos. Isso poderia, diz, compensar um aumento nas tarifas:
— Ganhos em eficiência operacional e a diminuição de despesas associadas a falhas e interrupções contribuem para a sustentabilidade financeira dos investimentos, minimizando possíveis impactos sobre as tarifas.