Destino das reservas de níquel incomparáveis da Indonésia, um mineral crucial para a fabricação de baterias para veículos elétricos, está atrelado ao conflito entre os Estados Unidos e a China.
Ele é conhecido como o ministro de tudo. Dos escritórios do governo da capital da Indonésia às minas empoeiradas em ilhas remotas, Luhut Binsar Pandjaitan tem autoridade de comando como a principal figura na dinâmica de poder do país.
Um general de quatro estrelas que se tornou um magnata dos negócios e, depois, oficial de gabinete, Luhut almeja transformar a Indonésia num polo de produção de veículos elétricos. Mas, enquanto tenta alcançar esse objetivo primordial, ele e seu país estão cada vez mais vulneráveis a forças geopolíticas fora de seu controle. Embora esta nação insular venha há muito tempo evitando se envolver em rivalidades ideológicas, está cada vez mais presa ao conflito entre os Estados Unidos e a China.
Em jogo está o controle do níquel, um mineral utilizado para fabricar baterias para automóveis e motocicletas elétricas – um componente central da missão de limitar as devastações causadas pelas mudanças climáticas.
A Indonésia tem as maiores reservas do planeta, o que a torna uma espécie de Arábia Saudita do níquel. Mas a extração e a refinação desses recursos dependem em grande medida do investimento e da tecnologia das empresas chinesas. E isso limitou o acesso da Indonésia aos EUA.
Em Washington, o governo Biden concedeu dezenas de bilhões de dólares em créditos fiscais para estimular a produção de veículos elétricos. Para ser elegível a eles, os carros vendidos no país devem incluir uma porcentagem cada vez maior de peças e materiais produzidos em fábricas dos EUA ou em países considerados favoráveis aos interesses americanos.
Nos últimos meses, Luhut – oficialmente ministro coordenador dos Assuntos Marítimos e de Investimentos da Indonésia – implorou ao governo Biden por um acordo comercial que abranja os minerais, numa tentativa de garantir seu status como país amigo. Isso provocaria uma demanda maior por seu níquel, tornando-o elegível para os créditos fiscais americanos de acordo com a Lei de Redução da Inflação.
Ao que tudo indica, empresas de todo o mundo ganhariam incentivos para construir fundições e fábricas de veículos elétricos na Indonésia, aumentando a capacidade tecnológica do país e gerando empregos.
Mas Luhut, na prática, a principal autoridade do governo para questões comerciais, tem sido repetidamente rechaçado por causa das preocupações americanas com o investimento chinês na indústria de níquel da Indonésia, assim como pelo incômodo com as condições de trabalho e as normas ambientais. Atualmente, em Washington, fazer frente ao poder tecnológico da China é aquele raro objetivo que conquista o apoio de todos no espectro político.
Alguns dentro do governo Biden argumentam que esta postura é imprudente. As mudanças climáticas são uma ameaça existencial. O níquel é um componente central da transição para abandono dos combustíveis fósseis, tornando o acesso aos recursos da Indonésia um objetivo de máxima urgência. Mas essa lógica não conseguiu convencer figuras poderosas do governo subordinado à limitação do poder da China.
Tudo isso explicava o tom farto de indignação de Luhut em uma manhã recente, quando reuniu apoiadores em seu escritório com fachada de vidro na casa onde vive em Jacarta, a movimentada capital da Indonésia. Do lado de fora, no jardim, pássaros cantavam em gaiolas penduradas em árvores. Dentro, o ministro de tudo lamentava os equívocos nefastos que separam o país de seu destino.
“Os EUA não entendem o que a Indonésia está fazendo”, disse ele. “É frustrante.”
Dinheiro e poder
Aos 76 anos, Luhut continua firme, ágil e propenso ao ressentimento nacionalista. Ele rejeita veementemente a ideia de que a Indonésia – um país com quase 280 milhões de habitantes – deve escolher um lado ou colocar em risco seus negócios com os EUA.
“Este país é grande demais para se curvar a qualquer superpotência”, disse ele.
A animosidade entre os EUA e a China não era o único problema que lhe causava angústia. Ele estava indignado com a postura da União Europeia, que contestou um princípio fundamental do modelo industrial da Indonésia: a proibição da exportação de minério de níquel.
Ao se recusar a vender seu níquel bruto ao mundo, a Indonésia atraiu mais de US$ 14 bilhões em investimentos, principalmente de empresas chinesas, para fundições que o transformam
em produtos usados para fabricar aço inoxidável e baterias para veículos elétricos. Desde que a proibição foi implementada em 2014, as exportações da Indonésia de produtos de níquel cresceram mais de dez vezes, passando de US$ 30 bilhões no ano passado, de acordo com dados do governo.
Maior parte do níquel da Indonésia está em Celebes, uma ilha em forma de K, coberta por matas Foto: Ulet Ifansasti/The New York Times
A União Europeia alega que suas empresas estão sendo privadas de uma oportunidade justa de importar minério de níquel. Ela apresentou e ganhou um processo na Organização Mundial do Comércio, ganhando o poder de aplicar tarifas punitivas sobre as exportações da Indonésia, mesmo enquanto o país apela da decisão.
Luhut compara essa postura a uma perpetuação da era colonial, quando os holandeses, portugueses e britânicos transportavam especiarias, açúcar e outras mercadorias lucrativas para os entrepostos europeus. A proibição de exportação de níquel é uma correção, disse ele, o meio de garantir o valor da extração para os indonésios.
“É arrogância dos países europeus”, afirmou. “Talvez eles pensassem que a Indonésia ainda está colonizada. Temos o direito agora de melhorar a qualidade de vida neste país.”
O discurso dele está em sintonia com a interação natural de dinheiro e poder estatal que move há muito tempo o comércio indonésio.
Luhut ganhou sua fortuna no ramo do carvão, que continua sendo a principal forma do país gerar eletricidade. A empresa dele, a TBS Energy, negociada na bolsa de valores de Jacarta, agora é efetivamente controlada pelo sobrinho, Pandu Sjahrir, que também lidera a principal associação comercial da indústria de carvão da Indonésia. A empresa está determinada a se posicionar no centro do “ecossistema dos veículos elétricos”, de acordo com seu relatório anual mais recente.
Quase 62% das ações da TBS Energy são de uma empresa registrada em Cingapura, a Highland Strategic Holdings, que é controlada por outra holding, a qual é de propriedade de uma terceira organização, encobrindo os verdadeiros beneficiários. O nome de Luhut não aparece na papelada mantida pelos reguladores de Cingapura, mas ele disse ainda ser dono de 8% de sua antiga empresa, o que lhe proporcionaria lucrar com novas fundições.
Aliados e rivais acusam Luhut de ter participações dos lucros dos empreendimentos de níquel com investimento chinês.
“É de conhecimento geral entre as elites empresariais e políticas de Jacarta que Luhut, por meio de seus representantes, fechou acordos paralelos para si mesmo”, disse um ex-funcionário sênior do governo indonésio, que falou sob condição de anonimato porque temia retaliações.
Luhut zombou dessas alegações.
“Se eles me dessem US$ 10 milhões em dinheiro vivo, onde colocaria esse dinheiro? Não vou comprometer minha reputação por causa de US$ 10 milhões.”
Então deu um sorriso malicioso.
“Se eles me derem US$ 2 bilhões, talvez eu considere isso.”
Por Estadão.
https://www.estadao.com.br/economia/geopolitica-complica-mudanca-energia-limpa/