Companhia franco-belga tem objetivo de zerar emissões de gases de efeito estufa no país em 2030, antes da meta mundial.
A Engie, empresa franco-belga que se define como a maior geradora 100% renovável do Brasil, tem a meta de zerar as emissões de gases de efeito estufa no mercado brasileiro antes das demais operações da companhia no mundo como um todo. O objetivo é alcançar o chamado “net zero” no país em 2030, enquanto a meta global é de zerar as emissões em 2045.
O caminho da Engie para alcançar esse propósito passa pela aposta em fontes renováveis. A empresa tem R$ 20 bilhões em investimentos comprometidos em ativos de geração solar e eólica e em linhas de transmissão no país. O grupo também vem trabalhando para melhorar os entraves da regulação do setor elétrico brasileiro, tema que preocupa especialistas, empresas e entidades setoriais.
“Somos investidores de longo prazo”, disse ao Valor a presidente global da Engie, Catherine MacGregor. E acrescentou: “Temos um propósito de acelerar a transição energética e, nos últimos quatro anos, fizemos reorganizações de portfólio e geográficas, mudanças de prioridades, para nos alinhar a esse objetivo.”
Uma das iniciativas da Engie foi se desfazer de negócios de carvão que tinha no Brasil e, no contexto global, passou a focar mais em países que oferecessem maiores oportunidades na transição energética, segmento no qual a empresa quer ser líder de mercado. Nesse contexto, o Brasil tem, na visão da Engie, vantagens comparativas no uso de recursos naturais para geração de energia renovável. No total, a empresa está presente em 31 países.
“Acreditamos que o Brasil tenha a oportunidade de acelerar o desenvolvimento em renováveis alavancada pela forte presença de hidrelétricas, mas ainda com acesso a grandes fontes como eólicas e solar”, disse a presidente do grupo. “Um projeto no
Brasil é equivalente a dez projetos na Europa em termos de capacidade”, comparou.
O Brasil é o principal mercado para a companhia fora do eixo França-Bélgica, origem do grupo. Essa condição leva a Engie a olhar de forma permanente oportunidades no país, podendo ampliar os investimentos compromissados.
Recentemente, a empresa participou mas não ganhou leilão de linha de transmissão e, como noticiado pelo Valor, é apontada como uma das interessadas na compra de fatia da Vale na Aliança Energia, subsidiária de energia da mineradora, ativo avaliado em R$ 6 bilhões. Mas, segundo MacGregor, os investimentos da Engie são sempre feitos com responsabilidade e disciplina na alocação de recursos. Embora a compra de ativos e operações de fusão e aquisição (M&A) seja um caminho para crescer, a companhia é especialista em engenharia, em desenvolver e construir projetos.
Os R$ 20 bilhões que a empresa tem comprometidos no portfólio no país estão distribuídos em grandes projetos, caso dos parques solares Assuruá (BA) e Assu Sol (RN); a unidade eólica Santo Agostinho (RN); e os projetos de linha de transmissão Gavião Real (PA) e Asa Branca (que corta Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo).
MacGregor esteve no Brasil no fim de junho para a reunião anual do conselho da Engie, a primeira fora da Europa. A reunião do grupo foi realizada em Florianópolis (SC), onde a companhia deu os primeiros passos na operação brasileira nos anos 1990, quando adquiriu as operações da Gerasul, do sistema Eletrobras, privatizada em 1998 e adquirida pela então belga Tractebel, que depois viria a se fundir com a controladora francesa Suez.
A compra da Gerasul foi a segunda aquisição da Tractebel no país. A primeira havia sido a hidrelétrica de Cana Brava, no Estado de Goiás, em 1997. O grupo tem, portanto, 28 anos de Brasil. A Tractebel acabou se fundindo com a controladora Suez e, depois de várias operações de M&A, incluindo a Gas de France, o grupo passou a se chamar Engie, em 2016.
Entre as aquisições da Engie no país nos últimos anos está também a compra da Transportadora Associada de Gás (TAG), detentora da malha de gasodutos mais extensa do país, com 4.500 quilômetros. A TAG pertencia antes à Petrobras e foi privatizada em 2019.
A companhia tem 2,6 mil funcionários no Brasil e capacidade própria instalada de 11 gigawatts (GW) em 99 usinas, todas de fontes renováveis. “O que gostamos no Brasil é que existe esse posicionamento singular sobre energias de baixo carbono”, disse MacGregor.
No ano passado, a Engie registrou faturamento de R$ 11,7 bilhões no Brasil, recuo de 8,6% ante o ano anterior que se explica pela saída das operações a carvão, pela venda da termelétrica Pampa Sul e pela alienação parcial na TAG. O país representa cerca de 10% a 15% do lucro antes de juros e impostos (Ebit) global do grupo. A Engie também opera parcerias público-privadas (PPPs) na iluminação pública de Curitiba (PR), de Uberlândia (MG) e de Petrolina (PE).
“Estamos no Brasil há 28 anos, somos investidores de longo prazo, confiamos na estabilidade institucional e fiscal [do país] e na visibilidade que temos dos nossos investimentos mesmo quando o governo muda”, disse MacGregor.
A executiva francesa entrou na Engie há quatro anos, no meio da pandemia. Com experiência no setor de óleo e gás, MacGregor passou por grandes empresas do setor como Technip e Schlumberger. Junto com o conselho da Engie, a executiva assumiu a liderança da companhia com o objetivo de promover uma reorganização corporativa do grupo, com foco maior em transição energética. Sob a gestão dela, a companhia passou a ser dividida em unidades de negócios ligadas a ativos de fontes renováveis, soluções energéticas, redes, e térmica & suprimento. Antes os negócios eram agrupados por região.
Segundo a presidente, o grupo tem planos de crescer no Brasil com foco em ativos que façam sentido na busca pelo “net zero”, mas com disciplina financeira: “Continuamos com espaço para investir mais. Mas o grupo é muito disciplinado. Queremos ter flexibilidade para alocação de capital. Nunca é ilimitado, temos € 22 a € 25 bilhões de Capex [investimento] para o triênio atual [2023-2025], o que seriam € 8 bilhões por ano. Algo pode ir para o Brasil.”
Embora a empresa mantenha o otimismo com o país, há desafios sobre a regulação do setor elétrico. A executiva admite que o excesso de subsídios, como ocorre com a geração solar, é um dos temas a serem enfrentados: “Os subsídios da energia solar fazem com que a tarifa [da energia elétrica] fique cara, apesar de o mercado [o preço da energia gerada] ser barato.”
Para Maurício Bähr, presidente da Engie Brasil, é possível melhorar esse cenário: “Quando os subsídios não são mais necessários, podemos baixar a tarifa. O excesso de remédio vira veneno. Precisamos de um nível certo. Ajustar a dose do remédio é o que precisa ser feito. O excesso de incentivos impacta o sistema a longo prazo”, diz.
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/07/03/brasil-e-chave-na-estrategia-global-da-engie-afirma-ceo.ghtml