O ano passado foi marcado por um extraordinário aumento na produção de energia solar e eólica, assim como nas baterias para carros elétricos.
O mundo adicionou energias renováveis em uma velocidade vertiginosa em 2023, uma tendência que, se amplificada, ajudará a Terra a se afastar dos combustíveis fósseis e a prevenir um aquecimento global severo e seus efeitos. A área em que houve mais avanços foi a da energia solar.
Com frequência, as energias limpas são agora as menos caras, o que explica parte do crescimento. Os países também adotaram políticas que apoiam as energias renováveis, e algumas citaram preocupações com segurança energética, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). Esses fatores contrabalançaram as altas taxas de juros e os desafios persistentes para obter materiais e componentes
em muitos lugares.
A AIE previu que mais de 440 GW (gigawatts) de energia renovável seriam adicionados em 2023, mais do que toda a capacidade instalada da Alemanha e Espanha juntas.
Outro ano excelente para a energia solar China, Europa e Estados Unidos estabeleceram, cada um, recordes na captação solar em um único ano, de acordo com a Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, na sigla em inglês).
Os acréscimos na China foram muito maiores do que as de todos os outros países — entre 180 e 230 GW. A Europa adicionou 58 GW.
A energia solar é agora a forma mais barata de eletricidade na maioria dos países. Os preços dos painéis solares caíram entre 40% e 53% na Europa entre dezembro de 2022 e novembro de 2023, e agora estão em níveis historicamente baixos.
“Particularmente na Europa, o aumento da implementação ocorreu em uma velocidade realmente vertiginosa”, disse Michael Taylor, analista sênior da Irena.
Quando os números finais para 2023 estiverem disponíveis, espera-se que a energia solar supere a energia hidrelétrica em capacidade total em todo o mundo, mas em termos de eletricidade realmente produzida, a energia hidrelétrica continuará gerando mais energia limpa por algum tempo, pois pode produzi-la dia e noite.
Nos Estados Unidos, a Califórnia continua sendo o Estado que produz a maior quantidade de energia solar, seguida por Texas, Flórida, Carolina do Norte e Arizona.
Tanto os incentivos estaduais quanto os federais tiveram uma influência significativa no crescimento da energia solar nos Estados Unidos, disse Daniel Bresette, presidente do Instituto de Estudos Ambientais e Energéticos, uma organização educacional e sem fins lucrativos de políticas sustentáveis.
Apesar do sucesso da energia solar em 2023, existem obstáculos. Houve escassez de transformadores, mencionou Bresette, enquanto as taxas de juros aumentaram.
Nos Estados Unidos, a contrução de infraestrutura para produzir energia solar também cresceu. “Vimos o impacto da Lei de Redução da Inflação em impulsionar os investimentos […] no último ano, mais de 60 instalações de geração de energia solar foram anunciadas”, disse Abigail Ross Hopper, presidente e CEO da Associação de Indústrias de Energia Solar.
Desafios para a energia eólica
Em 2023, a previsão é de que o mundo adicionaria energia eólica suficiente para abastecer quase 80 milhões de residências, tornando-o um ano recorde.
Assim como com a energia solar, a maior parte do crescimento — mais de 58 GW — foi adicionada na China, de acordo com uma pesquisa da Wood Mackenzie, um grupo de pesquisa e consultoria que fornece dados e análises para diferentes indústrias. O país asiático está a caminho de superar sua ambiciosa meta para 2030, de 1,2 mil GW de capacidade de energia solar e eólica em escala comercial, cinco
anos antes do previsto se todos os projetos planejados forem construídos, disse o Global Energy Monitor, uma organização não governamental que cataloga projetos de energia em todo o mundo.
A China foi um dos poucos mercados em crescimento em 2023 para a energia eólica, disse o Conselho Mundial de Energia Eólica. A obtenção mais rápida de licenças e outras melhorias nos mercados-chave, como Alemanha e Índia, também ajudaram a adicionar mais energia a partir do vento. Mas o número de instalações diminuiu na Europa em 6% em comparação com o ano anterior, segundo a Wood Mackenzie.
Desafios de curto prazo, como a inflação elevada, o aumento das taxas de juros e o aumento dos custos de materiais de construção, levaram alguns desenvolvedores de energia eólica offshore a renegociar ou até mesmo cancelar contratos de projetos, e alguns desenvolvedores de energia eólica em terra firme a adiar projetos até 2024 ou 2025.
Os ventos econômicos adversos chegaram em um momento difícil para a incipiente indústria eólica offshore dos Estados Unidos, que tenta lançar os primeiros parques eólicos marítimos comerciais do país. Neste ano, foi iniciada a construção de dois deles. Ambos pretendem abrir em 2024, e um dos locais já está enviando eletricidade para a rede dos EUA. Grandes parques eólicos offshore têm produzido eletricidade por três décadas na Europa e, mais recentemente, na Ásia.
Após anos de crescimento recorde, a American Clean Power (ACP), uma associação comercial que representa fabricantes de energias renováveis, estima que menos energia eólica terrestre será adicionada nos Estados Unidos até o final do ano, o suficiente para alimentar entre 2,7 e 3 milhões de residências. O grupo diz que os desenvolvedores estão aproveitando os novos créditos fiscais aprovados em 2022 na Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês), mas são necessários anos para que os projetos se conectem à rede. Desde a aprovação da IRA, foram anunciados US$ 383 bilhões em investimentos em energias limpas, acrescentou.
“Estamos falando essencialmente que 2023 foi um ano de desempenho inferior, mas se olharmos as coisas de uma perspectiva mais ampla, 8 a 9 GW ainda é uma cifra pela qual podemos nos entusiasmar. É uma grande quantidade de nova energia limpa sendo adicionada à rede”, disse John Hensley, vice-presidente de pesquisa e análise de dados da ACP.
Em nível mundial, o desenvolvimento da energia eólica também foi mais lento no ano passado. Os três principais mercados em 2023 continuam sendo China, Estados Unidos e Alemanha para a energia eólica terrestre, e China, Reino Unido e Alemanha para a energia eólica offshore.
Os analistas preveem que a indústria global se recuperará neste ano e aumentará em quase 12% a oferta de energia eólica em todo o mundo.
Em junho, a indústria comemorou ter ultrapassado 1 TW (terawatt) de energia eólica instalada em todo o mundo. Foram necessários mais de 40 anos para atingir esse marco, mas podem ser necessários menos de sete anos para chegar ao segundo terawatt no ritmo atual da indústria.
Grande ano para as baterias
No meio de um esforço contínuo para tornar o transporte menos prejudicial ao clima, a tendência dos veículos elétricos acelerou em todo o mundo em 2023, e a estimativa era que um em cada cinco carros vendidos no ano passado fosse elétrico, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). Isso também significou que foi outro ano excepcional para as baterias.
Mais de US$ 43,4 bilhões foram gastos na fabricação e reciclagem de baterias apenas nos Estados Unidos em 2023, em grande parte devido à IRA, de acordo com a Atlas Public Policy, uma consultoria que oferece ferramentas de análise e tecnologia em áreas que incluem transporte, eletrificação e política climática. Isso coloca os Estados Unidos em um campo de jogo mais equilibrado em relação à Europa, mas ainda atrás da China, o gigante na produção de baterias.
Quanto às grandes fábricas de baterias, chamadas gigafábricas, tanto os Estados Unidos quanto a Europa tinham 38 em construção, cada um, até o fim de novembro, de acordo com a Benchmark Mineral Intelligence, uma agência de informações para a cadeia de suprimentos de baterias de íon de lítio. Já a China tinha 295 em desenvolvimento.
A indústria continuou a explorar diferentes formas de fabricar baterias sem depender tanto de materiais nocivos, assim como formas de tornar os componentes mais sustentáveis, e a indústria de reciclagem de baterias avançou significativamente, segundo especialistas.
O custo das matérias-primas chave para as baterias, incluindo o lítio, também diminuiu significativamente, disse Evan Hartley, analista sênior da Benchmark.
“O custo da bateria agora está em uma trajetória em que a maioria dos americanos poderá se dar ao luxo de comprar um veículo elétrico”, disse Paul Braun, professor de ciência e engenharia de materiais da Universidade de Illinois.
O ano de 2023 não teve um percurso fácil. A indústria americana, em particular, enfrentou vários obstáculos. Uma enorme instalação de baterias da Panasonic no Kansas teve problemas de energia. A Toyota precisa reforçar sua reserva de potenciais talentos para sua fábrica na Carolina do Norte. Foram encontradas violações nas áreas de saúde e segurança em uma planta conjunta da General Motors Co. e LG Energy Solution, em Ohio. A lista continua.
Independentemente da região, persistem os obstáculos nos minerais, nas cadeias de suprimentos responsáveis e na construção de infraestrutura para carregar as baterias. “Essa será a próxima agenda”, disse John Eichberger, diretor executivo do Transportation Energy Institute, uma organização de pesquisa dedicada a estudar a energia aplicada ao transporte.
Mas os especialistas estão otimistas de que o crescimento das baterias continuará em todo o mundo.
“A história das baterias nos Estados Unidos, em pequena escala, é a história das baterias em geral em nível global em 2023”, disse Daan Walter, diretor da equipe de estratégia do Rocky Mountain Institute, um grupo de pesquisa sobre sustentabilidade, “e de como essa mudança foi transcendental em 2023”. (Tradução de Samara Leonel).
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/01/01/apesar-dos-desafios-economicos-2023-foi-o-ano-das-energias-limpas.ghtml