Tema já era pauta do setor, mas ganha força após dois grandes temporais em menos de um ano, que afetaram redes da Enel São Paulo.
A tempestade que atingiu São Paulo na semana passada e deixou 3 milhões de consumidores sem energia elétrica por até uma semana, tornou urgente a discussão por mudanças na regulação, para prever investimentos em redes de distribuição mais resilientes, num cenário de clima extremo. O tema já era pauta do setor elétrico há alguns anos, mas ganhou força com a ocorrência de dois grandes temporais em São Paulo em menos de um ano, que deixaram no escuro parte da maior cidade do país e colocaram a Enel São Paulo, que atende a 24 municípios, incluindo a capital, sob escrutínio público.
Em novembro de 2023, chuvas e ventos causaram a queda de cerca de 1,3 mil árvores sobre a rede de São Paulo. O fato se repetiu na semana passada: com ventos em torno de 107 quilômetros por hora (km/h), grandes extensões de rede elétrica foram ao chão, causando transtornos diversos e iniciando uma ampla discussão sobre as responsabilidades da Enel São Paulo, da prefeitura e de agentes
públicos no incidente.
O que se observa, porém, é que a ocorrência de eventos climáticos extremos tornou-se mais frequente. Em abril, o Rio Grande do Sul foi impactado por um dos piores
temporais da história. Em 2023, assim como a capital paulista, as cidades de Ubatuba e São Sebastião, no litoral paulista, e a região metropolitana de Recife também foram afetadas por fortes tempestades, com mortes.
E no outro extremo, o país vive a pior seca da história. Para Regina Célia dos Santos Alvalá, diretora do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), não só o setor elétrico, mas segmentos que estão expostos ao clima severo, precisam se preparar e se adaptar para uma nova realidade. “O clima de hoje não é o mesmo clima do passado”, alertou Alvalá.
A discussão ganha importância porque as distribuidoras projetam e realizam investimentos, que são remunerados pela tarifa de energia, calculada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Qualquer investimento considerado imprudente não é reconhecido na tarifa, o que faz com que as distribuidoras busquem respaldo na regulação para que possam promover os aportes necessários.
A resiliência de redes está na pauta da Aneel. Na terça-feira (15), a agência aprovou uma consulta pública para analisar a regulamentação do decreto 12.068/2024, que estabelece as diretrizes para a renovação das concessões de 20 distribuidoras, que
vencem a partir de 2025. O decreto abre espaço para comprometimento das empresas pela qualidade e continuidade do fornecimento, o que passa por se buscar redes mais robustas.
A agência abriu em março uma tomada de subsídios (pré-consulta à sociedade) para avaliar a necessidade de se editar medida regulatória voltada para o aumento da resiliência de redes de distribuição e transmissão ao clima extremo.
Bruna de Barros Correia, advogada de Energia do BMA Advogados, destacou que a preocupação no setor deixou de ser apenas em buscar tentativas de redução de emissões de gases de efeito estufa, mas também em adaptar o sistema elétrico para eventos extremos, como secas severas, tempestades e ventos cada vez mais fortes. “Cada concessão tem que se adaptar às suas próprias especificidades”, observou a especialista.
Desafiador, avalia Correia, o tema passa, por exemplo, pela “regulação por incentivos”, adotada pela Aneel no cálculo das tarifas, premiando distribuidoras com melhor qualidade no fornecimento, medido por indicadores de duração (DEC) e frequência (FEC) de interrupções. Atualmente, esses indicadores não consideram cortes causados por situações críticas, como a da semana passada. Numa revisão de regras, o caminho passaria por definir limites para situações de emergência, segundo ela. Ao serem ultrapassados, as distribuidoras teriam que compensar os consumidores nas contas de luz, assim como acontece com DEC e FEC.
Na manhã de ontem, o presidente da Enel São Paulo, Guilherme Lencastre, disse em coletiva que é necessário atualizar os contratos de concessão para incluir investimentos preventivos aos eventos climáticos. “Foi o maior evento de rajadas de ventos já registrado na história de São Paulo. Não tínhamos previsões de ventos na intensidade que aconteceu na sexta-feira”, disse o executivo.
O Valor procurou a Enel São para tratar do tema, mas a empresa pediu à reportagem que buscasse a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee). A empresa afirma que investirá R$ 6,2 bilhões entre 2024 e 2026, elevando de R$ 1,4 bilhão para R$ 2 bilhões a média anual.
A Abradee salientou que as distribuidoras já vêm realizando nos últimos anos uma série de investimentos em reforços, melhorias e modernização de redes, de modo a torná-las mais resistentes. Segundo Ricardo Brandão, diretor-executivo de regulação da Abradee, dos R$ 130 bilhões em investimentos previstos pelas distribuidoras até 2027, 37% são para melhorar a estrutura da distribuição, saltando de uma média anual de R$ 18 bilhões para R$ 31 bilhões.
Segundo Brandão, fixar prazos para restabelecer energia em casos como o da Enel São Paulo é algo complexo porque, em geral, os técnicos precisam reconstruir a rede danificada, algo difícil de ser realizado em poucas horas. Parte dos investimentos, explicou, é feita em tecnologias, como o “self-healing”, que permite religamento automático de redes em áreas onde o corte ocorreu pelo acionamento da proteção, sem danos físicos.
Essa tecnologia, explicou, facilita direcionar equipes de campo para onde realmente há necessidade de recomposição. Ele reforça que o clima extremo já é considerado nos planos de modernização. “O tema já é prioridade das distribuidoras”, disse Brandão.
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2024/10/18/apagao-em-sp-renova-debate-sobre-impacto-das-mudancas-do-clima-na-rede-eletrica.ghtml