Demora pode onerar os consumidores com acionamento de térmicas mais caras e poluentes, além de despesas com encargos para cobrir custos extraordinários.
A indefinição do governo federal sobre as diretrizes e a data do Leilão de Reserva de Capacidade (leilão de segurança energética) coloca em risco o suprimento de energia elétrica no Brasil, comprometendo a capacidade de atender os consumidores em períodos de alta demanda ou escassez hídrica.
O atraso do leilão pode também onerar os consumidores, já que o sistema pode depender mais do mercado de curto prazo, em que os preços são frequentemente mais altos e voláteis. O Brasil poderá ainda ter de acionar termelétricas mais caras e poluentes e a demora pode resultar em despesas, como o Encargo de Serviço do Sistema (ESS), para cobrir custos extraordinários. Sem a contratação de reserva adicional, a capacidade de resposta do sistema a eventos climáticos extremos fica comprometida.
O certame visa a reservar capacidade de geração de energia para atender, principalmente, ao pico de consumo no Brasil, que ocorre entre 18h e 20h nos dias úteis. Nesse período, a geração solar apresenta uma redução de 30 gigawatts (GW) a 50 GW devido ao pôr do sol, exigindo que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) compense rapidamente essa queda utilizando outras fontes, como térmicas ou hidrelétricas, que permanecem em prontidão para serem acionadas conforme necessário.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, chegou a dizer ao longo de 2024 que o leilão ocorreria ainda neste ano, mas, até o momento, nem as regras mais específicas – como as fontes de energia permitidas, formas de competição, preços máximos e o tipo de combustível utilizado nas termelétricas, entre outros aspectos – foram divulgadas. O setor agora projeta que o certame só ocorrerá em 2025. A falta de clareza afeta ainda o planejamento e os investimentos em novos empreendimentos para garantir a confiabilidade do sistema em momentos críticos. Procurada, a pasta não respondeu.
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que o sistema precisará de oferta de potência já a partir de 2027, com necessidade adicional de 5,5 GW em 2028 por conta do aumento da demanda de energia, descomissionamento de usinas antigas e fim de contratos de térmicas mais caras e poluentes. Este montante equivale a quase meia usina de Belo Monte, quinta maior hidrelétrica do mundo e maior usina 100% brasileira.
O diretor de planejamento do ONS, Alexandre Zucarato, no Plano de Operação Energética (PEN 2024), alertou o poder concedente, a União, da necessidade de “organização de leilões anuais para contratação de recursos para aumento da oferta do atributo potência”.
Empresas como Petrobras, Eneva, Prumo, Eletrobras, Copel, CSN, entre outras, já disseram que estão interessadas no certame. A CEO da chinesa Spic Brasil, Adriana Waltrick, diz que aguarda as regras, o modelo e a definição das fontes de geração elegíveis para o leilão, o que ela considera “um certame fundamental para a segurança do sistema elétrico nacional no contexto da rápida inserção das energias intermitentes [eólica e solar]”.
Waltrick conta que a empresa tem interesse em colocar a usina São Simão no leilão. A hidrelétrica fez estudos técnicos que demonstram a possibilidade de participar, tanto via aumento de potência (repotenciação) das unidades geradoras, quanto via
expansão da capacidade com novas turbinas. Se as regras forem na direção da repotenciação, esse atraso pode ser ainda mais crítico, já que o ideal seria que isso fosse feito dentro da janela da modernização, que vai até 2029. “Na opção da repotenciação, seria eficiente aproveitar as paradas planejadas no cronograma de obras da modernização. Citamos tal eficiência tanto para a usina de São Simão quanto para o país e seu sistema elétrico, que já aprovou o cronograma e as paradas planejadas para a modernização”, diz.
A Petrobras tem um parque termelétrico de 4,9 GW e, desses, 2,9 GW estão ficando sem contrato. A estatal quer participar do certame com usinas existentes e com a nova planta de 400 MW a ser inaugurada no Complexo de Energias Boaventura, no antigo Comperj. “Vamos participar com as usinas existentes e com a planta nova, do Gaslub”, disse o diretor de transição energética e sustentabilidade da estatal, Maurício Tolmasquim em evento do Valor em setembro.
O professor Erik Rego, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), disse que isso coloca pressão sobre os empreendedores, que precisam ter as regras definidas para fazer a engenharia detalhada, aprovação de orçamento, busca por
licenças ambientais, fechar com fabricantes e construção.
Em 2021, o governo realizou um leilão emergencial (procedimento competitivo simplificado-PCS) em resposta à crise hídrica. À época, foram contratadas 17 usinas em um dos leilões mais caros da história. Devido ao prazo apertado, 11 dos 17 empreendimentos não conseguiram cumprir o prazo.
Lucas Ribeiro, gerente regulatório da Eneva, admite que o prazo é apertado, mas não exclui a possibilidade de participação de novas usinas. Ele frisa que o objetivo do leilão é atender às necessidades dos consumidores, conforme estudos que apontam demanda crescente nos próximos anos. No entanto, para Ribeiro, quanto mais a data do certame é postergada, mais complexa e desafiadora se torna a contratação.
A empresa planeja participar com projetos novos e existentes com a ampliação do hub de Sergipe, onde tem terminal de Gás Natural Liquefeito (GNL) e existe capacidade para que mais usinas consumam o gás, além de projetos no Maranhão e usinas do BTG que foram incorporadas.
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/12/17/atraso-em-leilao-ameaca-suprimento-de-energia.ghtml