Pouca chuva, ventos fracos, onda de calor e maior demanda por energia elevam despacho termelétrico, o que deve pressionar a conta de luz.
O uso de usinas termelétricas para resguardar o Sistema Interligado Nacional (SIN) em 2024 está maior que nos últimos dois anos e deve manter essa tendência no segundo semestre, apurou o Valor. Chuvas abaixo da média nos reservatórios das hidrelétricas, ventos fracos para geração eólica, ondas de calor e maior demanda por energia são responsáveis pelo cenário atual.
Eneva e Petrobras, por exemplo, terão maior geração térmica associada ao momento de estresse nos reservatórios. Até mesmo usinas movidas a carvão têm entrado no sistema para dar resposta à demanda. Por outro lado, isso deve causar algum nível de pressão sobre as tarifas, por conta dos encargos já que algumas térmicas têm custo muito maior do que outras fontes renováveis, e deve haver um
maior nível de emissões de gases.
O diretor executivo de marketing, comercialização e novos negócios da Eneva, Marcelo Lopes, diz que o despacho térmico deve aumentar ainda mais no segundo semestre. “No fim de 2023, vimos mais despacho termelétrico mesmo com os níveis de reservatórios elevados. E no início de 2024, com uma hidrologia muito abaixo da média, temos o fundamento para acreditar que teremos demanda termelétrica
recorrente (…). Isso de alguma maneira vai impactar encargos ou preço”, prevê.
A expectativa de Lopes é confirmada pela previsão do tempo. A empresa de meteorologia Tempo Ok diz que o período de estiagem, que segue até outubro, tende a ser mais seco do que a média histórica. O que ajuda a entender essa mudança de cenário é o fenômeno meteorológico La Niña, cuja principal característica é prolongar os períodos secos do ano.
O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) adotou medidas para poupar água em importantes usinas do sistema Sudeste/Centro-Oeste para mitigar os impactos da falta de chuvas e minimizar eventuais custos de geração. Além disso, a safra dos ventos está mais fraca e diversas empresas reportaram em seus balanços que a geração eólica ficou abaixo do esperado.
Nivalde de Castro, professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel), explica como as termelétricas garantem a estabilidade do suprimento.
“Essa instabilidade gera um desafio ao ONS, que orquestra o mix de todas as fontes para atender em tempo real a demanda, que também varia. As termelétricas são importantes porque o seu comando está nas mãos do homem e não do sol, do vento e da chuva”, explica.
No geral, as térmicas são acionadas em horários de pico. No entanto, o apagão de agosto de 2023 mudou a percepção de risco e levou o ONS a elevar a margem de segurança. O presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), Xisto Vieira Filho, lembra que nos graves períodos de escassez hídrica, como em 2001, 2014 e 2021, as térmicas com diversos tipos de combustíveis, como
carvão, gás natural e nuclear, foram fundamentais para minimizar ou evitar racionamentos de energia.
“Principalmente em dias de maior calor de 2023 e 2024, tivemos uma grande participação de energia térmica no sistema (…). Precisamos encher os reservatórios para que nos períodos secos, o sistema atue com hidrelétricas e as térmicas. Estes dois atores que dão a confiabilidade energética”, diz.
O acionista e presidente do conselho de administração da Nova Participações, José Antunes Sobrinho, lembra que no passado o modelo do setor era composto por hidrelétricas e termelétricas (hidro-térmico). Essa situação foi drasticamente mudada por questões ambientais e a maioria das usinas foi construída sem reservatórios (a fio d’água), como Belo Monte, Jirau e Santo Antônio.
Paralelo a isso, na última década, o Brasil observou uma transformação na matriz – que já era bastante renovável, com base hidráulica – com a entrada massiva de eólicas e solares, tendência que deve permanecer, vista a economicidade dessas fontes e seus atributos ambientais. Por outro lado, gera desafios à operação do sistema.
“Nosso sistema a partir de 2012 deixa de ser hidrotérmico e tem uma componente de fonte intermitente que pode representar em certos períodos do ano até 20% da geração. Ocorre que muitos privilégios concedidos para as fontes intermitentes necessárias ao seu desenvolvimento não foram retirados. As hidrelétricas, por sua vez, carregam o sistema de suprimento e também o ônus de situações
desfavoráveis”, diz Sobrinho.
A Petrobras é outra importante geradora térmica. Segundo a empresa, a intermitência das fontes eólica e solar obriga o ONS a requisitar cada vez mais recursos confiáveis, flexíveis e controláveis para atender as variabilidades da geração renovável.
“Dentro desse contexto, acreditamos na relevância das termelétricas flexíveis movidas a gás natural para o sistema elétrico, não somente para garantia da estabilidade da rede elétrica, compensando a variabilidade das fontes intermitentes, mas também para a gestão dos níveis dos reservatórios, como vêm sendo usadas tradicionalmente desde os anos 2000”, informa a estatal em nota.
Valor Econômico.
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/06/06/geracao-termeletrica-deve-se-manter-alta-em-2024.ghtml