Para Luiz Carlos Ciocchi, o modelo energético do Brasil foi “virado de cabeça para baixo” nos últimos anos com subsídios e distorções que precisam de ampla negociação para saírem de cena.
Estudo do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mostra que a oferta de energia no país crescerá quase o triplo do consumo nos próximos anos. Mas, ainda assim, não há garantia de que a conta de luz ficará mais barata.
De 2023 a 2028, a expectativa é que o consumo aumente cerca de 14,53 gigawatts (GW médios), o equivalente a uma usina de Itaipu, enquanto a capacidade instalada subirá 40,4 GW ou 178% a mais.
Em condições normais, o aumento da oferta acima da demanda levaria à redução da tarifa. O problema é que o sistema elétrico brasileiro vem acumulando distorções que acabarão sendo pagas pelos consumidores. Neste ano, a conta de luz do brasileiro deve subir, em média, 5,6% acima da inflação, segundo projeções da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Em entrevista ao GLOBO, o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, avalia que o modelo do setor elétrico foi “virado de cabeça para baixo” nos últimos anos. E defende que será preciso negociar e redefinir sua estrutura. Veja a seguir os principais trechos da conversa.
Por que a sobreoferta de energia é um problema?
Diferentemente de outros mercados, no setor elétrico não se consegue armazenar o produto. Já colocamos recorde de consumo com 92,4% de energias renováveis (no início do mês). Lindo, mas se não tem essa demanda, o que fazer com essa energia que é renovável e não armazenável? Tem que verter (jogar fora) água, vento ou sol. O dilema do ONS é que temos que escolher qual dessas três fontes poderão produzir.
Como o senhor explica que teremos sobra de energia no país e não necessariamente a conta vai cair?
Temos energia, reservatórios em nível bom, mas se todo mundo quiser usar ar-condicionado, ter freezer cheio, tudo na mesma hora, vai chegar um momento que as hidrelétricas não vão mais conseguir produzir, mesmo tendo água. O que o ONS tem que fazer? Precisa acionar termelétrica, e aí aumenta o custo da energia. Um dos paradoxos é esse.
Exportar energia pode ser uma opção?
O que fazer com a sobreoferta de um produto que não consigo armazenar? Resposta simples é aumentar a demanda, embora seja difícil de implementar. Um dos lados é exportação de energia, embora não resolva tudo. A gente tem um comércio bastante intenso com Argentina e Uruguai. A grande expectativa é de aumento do nosso consumo. Vemos planos de industrialização, industrialização verde, produção de hidrogênio, que é grande consumidor de energia. Produção de eletrointensivos, produção de alumínio, que é energia empacotada.
O que precisa ser revisto no modelo?
Para a distribuidora de energia, pegamos o modelo e viramos ele de cabeça para baixo. O que temos hoje é um arcabouço estabelecido há mais de 25 anos. A gente precisaria sentar e rever toda essa estrutura de modelo do setor elétrico. As mudanças que aconteceram nos últimos 25 anos, seja do ponto de vista de tecnologia, de modelo de negócios, me levam a crer que é hora, sim, de se repensar a estrutura do setor elétrico como um todo.
Como fazer todo mundo sentar na mesa e negociar?
O que não funciona já sabemos. É uma medida provisória, tentar resolver isso com uma caneta. Por mais difícil que seja, tem que sentar todo mundo, e fazer um estudo absolutamente independente.
É um choque regulatório?
Como se faz planejamento da expansão (da geração de energia)? Vê onde a carga vai aumentar, e pensa onde vai precisar de usinas. E também o planejamento da linha de transmissão. Agora, o que está acontecendo?
A oferta está aparecendo. Isso precisa ser revisto. Fazer mais remendos que fomos fazendo ao longo do tempo, acho que já estamos com modelo bem esgotado (disso). É hora de parar e pensar no todo.