Representantes da Câmara e do Senado avaliam projetos, enquanto governo ainda prepara sua proposta.
Grupos na Câmara dos Deputados e no Senado pretendem votar nesta semana propostas para criar um marco legal do hidrogênio de baixo carbono no Brasil (elemento que pode ser utilizado para gerar energia com menos emissão de gases de efeito estufa do que os combustíveis fósseis, por exemplo). A intenção é levar esses textos para plenário o mais rápido possível. Isso depende, contudo, de negociações com o governo, que ainda elabora seu projeto internamente.
O secretário de Planejamento do Ministério de Minas e Energia, Thiago Barral, disse na quinta-feira, 19, que o Executivo pretende concluir sua própria proposta e evitou pontuar as divergências com os relatórios do Congresso, mas listou três temas “essenciais” na visão do governo: as definições de taxonomia (o sistema de classificação das diferentes formas de obter o hidrogênio), as regras para certificação e o tratamento tributário das empresas.
O mais controverso é o incentivo tributário para o setor, admitiu Barral, por causa das repercussões fiscais, orçamentárias e possível impacto na conta de luz. “Talvez a melhor estratégia seja dividir em dois [projetos] até para não perder tempo. Colocar de pé aquilo que é um consenso, as necessidades [regulatórias], e depois tratar dos incentivos, que a gente percebeu que tem ainda uma discussão que pode ter desdobramentos”, afirmou.
Os incentivos tributários estão sob a alçada do Ministério da Fazenda, que defendeu em nota ao Valor que “não há espaço fiscal para criar subsídios neste momento”. Além disso, afirmou que “qualquer discussão futura de incentivos para o setor deve estar atrelada à industrialização das cadeias produtivas no Brasil”.
Coordenador do grupo de trabalho da Câmara, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) organizou encontro do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com 16 grandes empresas interessadas em investir no setor e destaca que há pressa da iniciativa privada na aprovação do marco regulatório. “O governo está com a ideia de ir com mais calma. Vamos pressionar para acelerar a discussão, estamos com mais senso de urgência. O Brasil está disputando a instalação de fábricas com o mundo todo”, disse.
As minutas apresentadas pelo Congresso são elogiadas pela iniciativa privada, que vê na proposta do deputado Bacelar (PV-BA) um texto mais completo, com a criação de incentivos tributários e regulatórios. O parecer foi apresentado dia 11 e a expectativa é vota-lo no grupo de trabalho na terça (24). O senador Otto Alencar (PSD-BA) divulgou minuta na quarta (18) e a comissão do Senado também tentará votar nesta semana.
“Vamos fazer algumas pequenas sugestões de ajuste, mas nada muito relevante. Não tem nada que seja significativo a ponto de fazer com que a discussão pare. Podemos inclusive aprovar assim no GT [da Câmara] e deixar os ajustes para o plenário para não atrasar”, disse o presidente do Fórum de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Setor Elétrico (Fmase), Marcelo Moraes.
Há algumas diferenças entre as duas minutas. O projeto de lei da Câmara inclui a iniciativa privada no comitê gestor do programa de hidrogênio, enquanto o do Senado possui apenas representantes do Executivo. Os deputados estabelecem que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) será a responsável pelas autorizações, enquanto os senadores dividem esse poder entre a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para a eletrólise (extração da água) e a ANP nos demais casos.
Mas as principais divergências estão nos incentivos propostos. A Câmara sugere um rol de iniciativas, entre elas que os leilões, a partir de 2028, tenham contratação obrigatória de energia por meio do hidrogênio e um regime especial (batizado de Rehidro) com desoneração dos impostos. A ideia é custear isso com fatia da exploração do petróleo, o excedente de Itaipu, doações internacionais e recursos do Orçamento da União. O Senado propõe estabelecer percentuais mínimos e graduais para injeção do elemento nos gasodutos e incentivos tributários, custeados pela conta de luz, parte do regime de partilha do petróleo e pelo orçamento do governo federal.
Relator da Câmara, Bacelar argumenta que não há como estimular o nascimento dessa nova indústria se não houver incentivos tributários e regulatórios. “Os americanos estão dando um caminhão de dinheiro, R$ 200 bilhões, e criando subsídios. O que estamos evitando é passar o custo para a conta de luz”, diz.
O impacto na tarifa de energia preocupa também as empresas. O Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento
Sustentável (CEBDS) destacou que a minuta da Câmara avança em conceitos como a “neutralidade tecnológica e a análise do ciclo de vida para categorizar e certificar o hidrogênio”, mas que alguns pontos “demandam debate mais aprofundado com a sociedade”. “Ainda que incentivos regulatórios e fiscais sejam extremamente necessários para impulsionar novas tecnologias, o desenho deve ser cauteloso de forma a não onerar outras atividades essenciais, como o uso da água e de energia elétrica”, disse.
Presidente-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), Elbia Gannoum também opina que é preciso “deixar mais clara” a questão tributária e explicitar que, quanto menos carbono o processo de obtenção de hidrogênio gerar, mais incentivos deve receber. “O Executivo entende que novas tecnologias precisam de incentivos. O que ele tem dificuldades é com criar subsídios, que quem paga a conta é o consumidor”, diz. “O governo brasileiro não vai colocar dinheiro, porque não tem, mas precisa permitir que a indústria não pague imposto ou o Brasil vai ficar de fora da rota global e perder a maior oportunidade que já teve na vida”, afirma.
Por Valor Econômico.
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/10/23/parlamentares-tentam-apressar-regulacao-do-mercado-de-hidrogenio-verde-no-brasil.ghtml